Mesmo com todos os empecilhos causados pela crise, a expansão hoteleira encontrou meios de seguir adiante. Em um mercado pulverizado, diferentes modelos de contrato e inúmeras possibilidades de fazer negócios foram um dos poucos pontos positivos que o setor ostenta diante do impacto da pandemia.

Apesar dos prejuízos, a hotelaria é um segmento pensado a longo prazo. E a prova viva que investidores têm plena confiança na recuperação do setor são os 48 projetos anunciados nos últimos 12 meses. Segundo o levantamento Panorama da Hotelaria Brasileira, realizado pela HotelInvest em parceria com o FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), existem atualmente 147 hotéis urbanos em desenvolvimento em 97 cidades, totalizando 21,9 mil UHs.

Os números representam queda de 13% frente ao estudo realizado em 2020 na quantidade de projetos e de 12,1% no total de quartos. Entretanto, quando falamos de um período em que a hotelaria praticamente paralisou suas atividades, os resultados não são tão desanimadores assim.

Dos R$ 6,1 bilhões em investimentos projetados, 63% são direcionados a empreendimentos econômicos e midscale. Outro R$ 1,65 bilhão (27%) serão destinados a hotéis de luxo. O relatório ainda destaca que os condo-hotéis estão perdendo espaço no mercado como meio de financiamento de projetos hoteleiros. Dos contratos assinados no último ano, menos de um terço foi modelado dessa maneira.

Em contrapartida, as principais operadoras vêm explorando novas formas de expansão. Nos últimos anos, os contratos de franquias e soft brands se destacaram no setor como uma forma rápida de aumento de portfólio. Com a pandemia, os olhos dos investidores se voltaram para produtos com ofertas de short-term rental. Agora, como distinguir quais os melhores modelos de negócio?

expansão hoteleira - abel castro

Castro: contratos de administração são o 1º passo

Expansão hoteleira: contratos de administração

Com o aumento da procura por diferentes perfis de negócios, os tradicionais contratos de administração parecem ter perdido espaço. Rede internacional com maior número de unidades em terras brasileiras e na América do Sul, a Accor vê o modelo como fundamental para o início do processo de expansão.

“Há 40 anos, quando chegamos no país, fizemos investimentos diretos, desenvolvidos e construídos por nós. Depois de entender como o negócio funcionava, passamos para a segunda fase, que foram os contratos de administração. Já a terceira onda, com capacidade de serviços consolidada, passamos para a expansão em franquias. É um caminho natural”, explica Abel Castro, vice-presidente sênior de Desenvolvimento da rede francesa.

O executivo ainda ressalta que a Accor vai manter contratos de administração, porém focados em hotéis de grande porte, com bandeiras de luxo e lifestyle. “A estratégia é clara. Grandes cidades e empreendimentos de alto padrão, utilizamos contratos de administração. Cidades menores com marcas econômicas ou midscale, a prioridade são franquias. Como existe mais potencial de abrir um ibis no interior do que um Fairmont em uma capital, naturalmente as franquias serão predominantes em quantidade”, acrescenta.

Segundo Ricardo Manarini, a HCC Hotels traçou seu plano de expansão do ponto de vista geográfico. A ideia é crescer partindo de regiões em que a rede já possui operações. Ou seja, Curitiba é a faixa de largada. Os primeiros passos da empresa serão dados no Sul e Sudeste e, para passar a administrar hotéis de terceiros, o grupo criou um novo braço de negócios.

“No Paraná, podemos ter mais flexibilidade para penetrar cidades secundárias e propriedades de menor porte. Indo para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o plano é expandir nas capitais. Já temos algumas conversas em São Paulo também”, revela Manarini.

Antes de chegar a HCC, o diretor vinha atuando no setor de franquias e afirma que contratos de administração ainda são boas oportunidades. “Temos todos os tipos de investidor”.

Pedro Cypriano, sócio-diretor da HotelInvest, reforça o posicionamento das redes e alega que contratos de administração são alternativas para ativos mais complexos. “São modelos que sempre existirão. Pode ser que percam espaço percentualmente, mas em grandes cidades é comum o interesse desse perfil de contrato, principalmente para players maiores”.

Cypriano ressalta que todos os tipos de modelos contratuais são válidos e podem fazer sentido, mas alguns pontos precisam ser analisados. “Depende do tamanho e perfil da empresa. O arrendamento costuma ser o menos utilizado, com percentual de 3%, pois quem assume mais risco é a operadora. Em linhas gerais, cada player precisa encontrar o que faz sentido estrategicamente”.

expansão hoteleira - ricardo manarini

HCC tem planos de operar como franqueadora

O boom das franquias

Refletindo comportamentos observados em mercados internacionais, as franquias rapidamente se tornaram as queridinhas das grandes redes. Ganhando cada vez mais representatividade no Brasil, o modelo oferece apoio a empreendedores menores em processos de marketing, treinamento e distribuição, além da atratividade de uma marca consolidada.

“É natural que as franquias continuem crescendo. Ter uma bandeira reconhecida por trás garante estruturas de apoio aos proprietários e investidores. Do ponto de vista da rede, é uma maneira rápida de crescimento. São contratos desejáveis, com a possibilidade de capilaridade. Por aqui, é um molde que ganhou tração nos últimos anos e vemos players atuando com força para a consolidação de marcas”, avalia Cypriano.

A tendência é fruto da migração da expansão hoteleira para cidades secundárias e terciárias. Após grandes investimentos nas capitais, as redes passaram a mirar em destinos do interior e litoral e, consequentemente, a apostar em franquias.

“É um comportamento comum de mercado. No interior, a maior parte de desenvolvimentos são por franquias atualmente. Até o último ciclo, encerrado na Copa do Mundo de 2014, as capitais eram o grande chamariz. Agora, os investimentos se concentram em cidades de menor porte”, complementa o diretor da HotelInvest.

E foi exatamente o trajeto percorrido pela Accor. Nos últimos seis anos, a rede vem passando por um processo de interiorização. “Você começa nas primárias e capitais e depois começa a crescer nas menores. São destinos que tiveram crescimento expressivo por conta de indústrias como o agronegócio”, explica Castro.

O executivo da rede francesa alerta que, para chegar a esse patamar, houve um caminho de aprendizados. “Houve uma preparação para desenvolver franquias. Vejo empresas começando sem estrutura dentro de casa, o que pode ser complicado. É preciso ter um serviço robusto, pois você vende a força da marca e expertise operacional”, avalia.

Atualmente, a Accor oferece franquias em todos os segmentos, com exceção de bandeiras de luxo. Entre as marcas franqueadas estão a família ibis (ibis, ibis Styles e ibis budget), Mercure, Tribe e Novotel. Apesar de não contar com o modelo de contrato para empreendimentos de alto padrão, Castro afirma que a empresa não descarta a possibilidade. “É uma demanda interna que está sendo estudada há algum tempo e poderemos ter novidades em breve”, revela.

O vice-presidente de Desenvolvimento ainda destaca que a rede tem o objetivo de chegar a marca de 42 mil UHs franqueadas até 2024 na América do Sul. “Temos o plano de franquia 42k 24. Até o momento, temos 20 mil UHs neste modelo e queremos desenvolver ainda mais o segmento. Este ano, devemos abrir 25 hotéis na região, sendo 16 deles em contratos de franquia”.

A HCC tem estudado parcerias com redes internacionais para entrar no negócio como franqueadora, além de estar em fase de desenvolvimento de marcas próprias. “A franquia vale a pena dependendo do mercado. Também estamos criando marcas para atender aos clientes em formato soft brand como opção para parceiros independentes”, explica Manarini

As soft brands da empresa ainda serão anunciadas ao mercado, mas o diretor adianta que uma será voltada a hotéis upscale, outra lifestyle e uma terceira midscale. “Teremos uma derivação para o setor residencial com serviços e outra econômica”.

Em março, o Four Points Curitiba fechou as portas para reformas. Segundo Manarini, o empreendimento será o primogênito da soft brand própria do segmento de luxo. “Conversamos com os investidores e proprietários que toparam entregar algo diferente ao mercado”.

Por outro lado, nem todos os players estão entrando na onda. A B&B Hotels não possui submarcas e aposta em ativos flexíveis, que atendam a todos os tipos de necessidades dos hóspedes e investidores. “Vamos olhar conversões se boas oportunidades surgirem, pois é uma maneira rápida de entrar no mercado. Nosso foco é manter uma postura flexível’, pontua Olivier Coustet, CEO da empresa.

Chegando à marca de 10 unidades no país, Coustet afirma que a B&B tem interesse em projetos greenfield e não descarta integrar empreendimentos franqueados no futuro. “Não é algo descartado, mas no momento queremos focar em nosso core business, que são contratos de locação, modelo que mostrou resistência durante a pandemia”, comenta.

O mesmo pensamento vai para a criação de soft brands. O CEO explica que a B&B tem como estratégia investir em uma marca única e consolidá-la no mercado antes de trilhar novos caminhos. “Vamos focar no fortalecimento da B&B. O mais importante é a flexibilidade no crescimento e nos produtos, mas nada impede que trabalhemos isso futuramente”.

expansão hoteleira - olivier coustet

Coustet: B&B foca em consolidar sua marca

A chegada do short-term rental

Com as mudanças de mercado causadas pela pandemia, a chegada da hotelaria ao segmento de short-term rental foi quase inevitável. As principais redes do país foram em busca de desenvolver seus próprios produtos para o segmento, que entrou de vez no jogo do setor.

Mesmo com muitas promessas e expectativas, Castro alega que até o momento não enxergou um modelo de negócio sustentável. “É um assunto que está na pauta das grandes empresas. São muitas ideias, conversas e propostas, mas de fato, pouco resultado. É um mercado que avaliamos, mas ainda em estudo para encontrar um business model viável e atraente. Algumas cidades correm o risco de uma superoferta, mas é difícil dizer. O maior risco dessa atividade está atrelada a viabilidade do negócio”.

Manarini comenta que a HCC estuda entrar no setor residencial, mas não pelo short-term rental. “É um mercado com potencial para um público específico. Acreditamos que os hóspedes corporativos ainda terão preferência por hotéis. No caso de long stay, pode ser que os clientes optem por lugares em que se sintam em casa”, acredita.

Para o CEO da B&B, é saudável que o setor explore novas possibilidades e revela que a rede está em fase de negociações com o Airbnb para incluir as unidades da empresa na plataforma. “Não vamos criar um produto próprio para o short-term rental, mas queremos colocar nossos hotéis no aplicativo. Acho positivo a hotelaria explorar esse mercado, mas seria cauteloso, pois ainda estamos em pandemia e não sabemos quais mudanças de comportamento do consumidor irão permanecer”.

(*) Crédito da capa: Peter Kutuchian/Hotelier News

(**) Crédito das fotos: Divulgação