Ainda são muitas as incertezas que permeiam o futuro dos eventos no pós-pandemia. É fato que o setor foi um dos que mais sofreu transformações e adaptações no último ano e ainda deve demorar a encontrar alguma estabilidade. Dentre tantas mudanças que direcionaram o mercado, a tecnologia está presente em quase todas elas.

E vale destacar que o advento de inovações no segmento gera um sentimento dúbio. Por um lado, as ferramentas digitais possibilitaram que o setor se mantivesse ativo mesmo nos períodos mais críticos da crise. De outro, os organizadores temem pela redução de demandas após os profissionais e empresas terem adotado novos modelos de trabalho e interação.

Uma análise do Wall Street Journal no ano passado, avaliou que as reuniões internas e o treinamento de empresas representavam 20% de todas as viagens de negócios e previram que 40% a 60% delas serão canceladas para sempre. O jornal concluiu que de 19% a 36% das viagens corporativas irão desaparecer.

Segundo a última pesquisa divulgada pela TRVL Lab, 84% dos profissionais gostam de viajar a trabalho, mas acreditam que a redução do ritmo tem beneficiado o relacionamento familiar. De acordo com o estudo, 66,53% das empresas afirmam que encontraram soluções eficazes para o trabalho remoto, enquanto 67,95% disseram terem se adaptado bem aos novos modelos. Outras 80,12% responderam que as viagens de negócios serão mais planejadas e envolverão múltiplas atividades.

Cerca de 76,03% concordam que as tecnologias e formatos adotados continuarão sendo preferidos, reduzindo a necessidade de deslocamentos. Por fim, 58,61% das empresas manterão o orçamento reduzido de viagens mesmo no pós-vacina. Já 71,31% preferem opções de eventos presenciais na sua área e 63,73% gostam de estar cara a cara para fazer negócios. Outros 46,92% não pretendem voltar a viajar a trabalho com a mesma frequência.

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Redução de viagens era inevitável, diz Cecere

Eventos: um setor em transformação

Apesar do alarde do setor, Raffaele Cecere, presidente do Grupo R1, acredita que o setor está em fase de reinvenção. Em uma analogia aos correios, o executivo explica que a evolução da tecnologia não extinguiu outros serviços. “Começamos com o fax e demos um salto com a invenção do email. É basicamente a mesma coisa. A tecnologia não acabou com os correios, mas eles se reinventaram. O setor de eventos segue o mesmo padrão”.

Reforçando o meme “essa reunião poderia ter sido um email”, Cecere concorda com as reduções de viagens corporativas e afirma que o cenário atual já era previsto. “Não tem motivo pegar um avião por horas, gastar uma fortuna para fazer uma reunião sobre um assunto que poderia ser resolvido por videoconferência. Essa prática de deslocamento acabou se tornando um hábito que já estava fadado. A pandemia apenas acelerou um processo irreversível”.

Para o presidente da R1, a tendência é que essas pequenas reuniões, antes corriqueiras, sejam extintas. E essa mudança gerará novas demandas para outros players envolvidos, como é o caso da hotelaria e companhias aéreas.

Recém-saído de uma WTM-LA totalmente digitalizada, Simon Mayle, diretor da feira, salienta que o setor tinha certa resistência quanto aos modelos online e híbrido, mas que com boas ferramentas é possível fazer uma entrega satisfatória. “Diante dessa jornada, nos adaptamos rápido. Acredito que sempre teremos nosso trabalho com feiras e eventos, pois nossa missão é colocar fornecedores e compradores de forma eficiente. Nossa plataforma é um pavilhão como o de um centro de convenções, porém num ambiente digital”.

E o sucesso do formato pode ser traduzido em números. A última edição da WTM-LA superou todas as expectativas, totalizando 4,2 mil reuniões realizadas com mais de 800 expositores representando 360 empresas de 90 países. “As pessoas estavam um pouco resistentes e sentindo falta de conexão humana. Com o êxito da feira, os expositores ficaram mais animados. Tivemos um alcance que apenas um evento digital poderia trazer. Para o futuro, acredito que os dois modelos existirão, complementando um ao outro. E nós estamos abraçando isso”, avalia Mayle.

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Mayle: WTM-LA pode ser híbrida em 2022

Soluções e ferramentas

Um dos pontos mais relevantes da realização de eventos na era digital é a customização. Por meio do uso de dados, é possível entregar uma experiência 100% personalizada ao participante. Mayle revela que a WTM-LA busca seguir o caminho da inovação em suas edições com o cruzamento de informações.

“Todos podem chegar com uma agenda escolhida pela própria pessoa e nós fazemos um match de dados, cruzando perfis e interesses para fazer recomendações de quem eles podem encontrar. Mais do que nunca, nosso tempo é precioso e precisamos ser eficientes”, observa o executivo.

Desde o início da pandemia, a R1 vem lançando ao mercado soluções como ferramentas para eventos online em formato 360 entre outras inovações. Cecere afirma que as tecnologias foram um meio de manter todo o ecossistema do setor girando. “Criamos uma solução diferente que pode ser utilizada no mesmo ambiente. Os clientes seguem precisando das estruturas dos hotéis, e isso engloba hospedagens e salas”.

E para além do formato híbrido, outras tecnologias como inteligência artificial, realidade aumentada e 5G devem fomentar ainda mais a transformação do setor. “Cada dia mais o mercado vem criando soluções melhores. Com a chegada do 5G, não tenho dúvidas que a digitalização do setor será potencializada. Um sinal melhor significa mais qualidade na entrega. E não vejo isso como uma ameaça, mas sim como uma oportunidade. É um caminho sem volta”, acrescenta Cecere.

Mayle reforça a fala do presidente da R1 e pontua que o papel das novas tecnologias para os eventos será fundamental. “Tem coisas muito legais no mercado. Por exemplo, existem apps inteligentes que você escaneia a apresentação de um fornecedor e ela vai para o seu inbox. Outro mostra as direções na planta do centro de convenções para o profissional chegar na próxima reunião”.

Após o sucesso de 2021, Mayle adianta que a WTM-LA deve voltar em forma híbrido em 2022 com o uso de ferramentas para ambos os formatos. “Vamos dar a possibilidade de buyers e compradores participarem com soluções tanto para o virtual quanto para o presencial”.

Em contrapartida, é preciso fazer o uso das tecnologias com propósito e desenhar a experiência de acordo com as soluções que cada uma traz. “Tecnologia é sempre bem-vinda, mas usar porque está na moda não necessariamente vai refletir em uma boa entrega. É importante desenhar a jornada, os pontos de contato, tanto no presencial quanto no online. No Brasil, é tudo muito novo ainda, logo, é natural que existam falhas”, acrescenta Carolina Haro, sócia da Mapie.

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Ferramentas devem ter propósito, diz Carol

Mudanças de comportamento

Na outra ponta, os participantes ditam quais mudanças direcionarão o mercado. No caso dos eventos, Cecere acredita que o setor será mais estratégico em seus propósitos. “Estávamos mal acostumados com algumas situações, pois evento era para gerar relacionamento, o que não vai se perder, mas será repensado”.

E o mesmo vale para as viagens. Carolina afirma que os deslocamentos só serão validados para assuntos relevantes. “O futuro será híbrido, mas teremos eventos presenciais, principalmente quando se trata de networking. Algumas experiências são insubstituíveis no online, mas os organizadores podem trabalhar diferentes tipos de entrega. Por exemplo, estar no Rock’n’Rio e assistir virtualmente não é a mesma coisa. Porém, quem está em casa pode ter a oportunidade de conversar com o membro de uma banda, o que não seria possível no presencial. São dois públicos com experiências distintas e dois eventos a serem planejados”.

Outra tendência que marcará o futuro dos eventos e viagens corporativas é o bleisure. Desta forma, os organizadores devem pensar em destinos estratégicos que ofereçam experiências aos participantes. “É uma viagem que deixa de ser apenas de negócios e se torna híbrida. Os EUA já entenderam isso e São Paulo precisa explorar, pois existe um grande potencial gastronômico e de entretenimento na cidade, mas é preciso profissionalizar”, complementa Cecere.

(*) Crédito da capa: Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação