Atlantica Hotels - entrevista Eduardo GiestasTransparente, CEO da Atlantica não fugiu das perguntas do Hotelier News 

Não poderia haver melhor ocasião para bater esse papo. A Atlantica Hotels havia acabado de confirmar a conclusão da fusão com a Vert Hotéis e, finalmente, Eduardo Giestas teria o que falar além dos efeitos da pandemia. O approach foi feito e, na sexta-feira passada (22), a reportagem do Hotelier News entrevistou por mais de uma hora com o CEO da rede paulista. A conversa rendeu um Três perguntas para e, agora, segue o material completo.

Bem articulado e falante, Giestas sabia que seria impossível não falar sobre o impacto do coronavírus. Chegou preparado, com um discurso montado em cima de muitos dados e, sobretudo, foi bastante transparente nas respostas. Não fugiu a nenhuma pergunta e, como será possível ver a seguir, há questões relativamente delicadas sendo abordadas. Portanto, depois de um longo tempo sem falar com o Hotelier News, o executivo não teve freios.

“Em relação ao nosso orçamento original para 2020, prevíamos receita de R$ 1,3 bilhão, o que representaria crescimento de 13% frente a 2019, que já era um ano com base elevada de comparação, com alta acima de 9% na diária média”, revela Giestas sobre as previsões financeiras da Atlantica no pré-pandemia. A realidade, inesperadamente e de forma abrupta, bateu à porta de todos no setor. 

“Agora, com nosso plano de retomada já reprojetado, temos a previsão de fechar 2020 com redução de 40% no faturamento em relação a 2019. Nossa expectativa é que a volta aos patamares de 2019 só ocorra no final de 2021”, acrescenta o CEO da Atlantica, que deu ainda mais detalhes sobre o plano de retomada no pós-pandemia. Dessa vez, os spoiler param por aqui. Leia até o final e entenda como a rede paulista vai encarar o vírus.

Eduardo Giestas: entrevista completa

HN: Como estava o ano até a pandemia? Havia crescimento nos indicadores? Quanto?

Eduardo Giestas: Estávamos muito otimistas sobre 2020, porque a receita continuava a trajetória de 2019 crescendo em dois dígitos, com a expansão do RevPar e da receita guiada pela diária média. Diria que 2018 já tinha sido um ano positivo, com o faturamento puxado pela ocupação. Já o ano passado foi excelente para gente, com alta de 22% na receita, sendo que, pela primeira vez desde o fim da crise, derivado pela melhoria da diária média. Nossa preocupação para 2020 era manter esse ritmo e, no primeiro bimestre, a receita subia 15%, com a diária média aumentando 9% na comparação anual. Era, portanto, um desempenho promissor e estávamos muito animados. Em relação ao nosso orçamento original para 2020, prevíamos receita de R$ 1,3 bilhão, o que representaria crescimento de 13% frente a 2019, que já era um ano com base elevada de comparação, com alta acima de 9% na diária média. Caso confirmado, esse desempenho permitiria que nosso GOP (Resultado Operacional Bruto, na sigla em inglês) na média geral batesse perto de 30%. Essas eram as grandes diretrizes do orçamento de 2020 até a pandemia.

HN: Como foi o impacto da pandemia? Quantos hotéis fecharam no país? Qual a situação atual? Qual o rombo previsto ante 2019 na receita ao fim do ano?

EG: Estamos com 38% dos hotéis fechados neste momento. A pancada da pandemia veio na segunda quinzena de março, quando acusamos o golpe e registramos queda de 48% na receita na comparação anual. Em abril, que foi o primeiro mês inteiro sob a pandemia, o recuo foi de 83%. Portanto, essa é a fotografia do momento. Agora, com nosso plano de retomada já reprojetado, temos a previsão de fechar 2020 com redução de 40% no faturamento em relação a 2019. Nossa expectativa é que a volta aos patamares de 2019 só ocorra no final de 2021. Ainda assim, esperamos que o ano que vem ainda tenha um primeiro semestre difícil. Diante disso, é provável que o desempenho anual fique abaixo de 2019, mas a trajetória de crescimento deve voltar no quarto trimestre.

Atlantica Hotels - entrevista Eduardo Giestas_internaPara Giestas, a prorrogação da MP 936 seria de extrema importância

HN: Na área trabalhista, o que foi feito? Um mix de opções, entre desligamentos, redução de jornada e suspensão de contratos? 

EG: Nosso primeiro movimento foi trabalhar todas as possibilidades de antecipação de férias enquanto esperávamos a MP, que demorou a sair. Inclusive, a medida provisória foi publicada, depois revogada e voltou duas semanas depois. Enfim, ela só foi sair na primeira quinzena de abril e isso impactou bastante. Com base na MP, olhando hotel por hotel e levando em conta que em algumas praças foi possível adicionar um acordo coletivo local que dava abrangência maior de timing à decisão, caso de São Paulo, usamos tudo que estava à disposição, como redução de jornada e suspensão de contrato, tendo em vista também a projeção de demanda para cada unidade. Diria que, hoje, temos um quarto da mão de obra trabalhando normalmente, um quarto com contrato suspenso e um quarto com redução de jornada de 25% a 75%. Infelizmente, vimo-nos forçados, em vários locais, a fazer uma redução do quadro de funcionários de 25%, muito em função do descasamento entre a janela da MP e a recuperação prevista do setor, e isso é uma crítica que fazemos do ponto de vista setorial à medida provisória.

HN: Falando nisso, sem prorrogação da MP, qual será o impacto no curto prazo no caixa dos hotéis diante da exigência de estabilidade e demanda reduzida?

EG: Temos que analisar hotel a hotel. Nós reprojetamos a retomada com base na janela da MP e fizemos um movimento antecipando isso, que foi, infelizmente, reduzir em 25% a base de colaboradores dos hotéis. Agora, estamos lutando muito via FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), e juntamente com outras associações do turismo, para influenciar as decisões em Brasília. O mais importante é prorrogar a MP e essa discussão não está mais no Ministério da Economia, mas no Congresso, já que se trata de uma emenda que precisa ser votada pelos parlamentares. Já nos planejamos com essa janela restrita de demanda. Se o movimento no mercado não vier na proporção que estimamos e não acontecer prorrogação da MP, existe o temor de que haverá uma nova onda de desligamentos, infelizmente. Entendemos que é fundamental brigar pela extensão da MP com uma visão setorial, porque o nosso setor, diferente de outros, talvez não recupere tão rapidamente havendo uma reabertura da economia. Para o nosso caso, é importante ter uma adequação para que a MP seja estendida.

HN: Como está o caixa da empresa? Aguenta até quando? Está acessando mercado em busca de capital? Como estão as condições?

EG: Fizemos um movimento rápido para adaptar às condições da crise. Uma de nossas primeiras preocupações foi acessar nossas linhas de financiamento, e conseguimos renová-las. Em paralelo, reprojetamos nosso caixa considerando o freio de recebimentos enorme que teríamos nos hotéis. Além disso, temos a vantagem de ter dois sócios-investidores: os fundos de private equity Quantum Strategic Partners e Soros Fund Management. O importante é: eles continuam apostando no país, no setor e na Atlantica. Então, até o momento, estamos com o caixa ok. Eventualmente, numa necessidade, e levando em conta que nossos sócios têm uma credibilidade enorme no mercado, temos essa proteção.

Agora, trabalhamos para nos resolver localmente, com nosso caixa e acessando linhas de crédito do país. Como disse no começo, conseguimos renovar linhas de crédito importantes e em tempo, o que nos dá um pulmão adequado até o final de 2020. Até lá, temos tempo para fazer um orçamento com calma para o ano que vem, com uma perspectiva mais concreta com relação à retomada de demanda. Nosso planejamento orçamentário começa em agosto e vai até novembro. Com base nos cenários que vamos traçar, conseguiremos entender se há necessidade de mais caixa ou não, e como acessá-lo. Continuamos com bom relacionamento com bancos locais, temos dois sócios que seguem confiando na empresa e no setor. Então, temos certo conforto, mas nossa diretriz é sempre andar com as próprias pernas, e é isso que estamos tentando.

HN: Ainda nesta pergunta, o que investidores dizem? Estão com acesso a crédito? Algum plano de ajuda está sendo feito pela Atlantica, como redução de taxas e uso do fundo de reserva?

EG: Liberamos a utilização do fundo de reservas, por razões óbvias, além de termos flexibilizado nossas taxas. Em paralelo, renegociamos com nossos fornecedores nacionais e internacionais todos os contratos, em alguns casos obtendo redução de valores mensais e diferimentos. Apoiamos também nossos investidores nas negociações locais, que são conduzidas individualmente, principalmente entre nossos fornecedores homologados. Tudo isso deu um alívio de caixa grande para nossos investidores. Como temos bom relacionamento com Santander, Bradesco e Itáu, estamos suportando os hotéis no acesso às linhas de crédito subsidiadas pelo BNDES para pagamento de folha e capital de giro. Já conseguimos para 18 unidades. Parece um número pequeno, mas não é, uma vez que essas linhas estão empossadas, com difícil acesso. Estamos usando nossa capacidade técnica e relacionamento com os bancos, nos casos citados, acessando para os investidores. A linha de crédito para folha de pagamento tem uma taxa muito boa, de 3,5% ao ano. O problema é o teto baixo, sendo destinadas para empresas que faturam até R$ 10 milhões anuais.

Vale destacar que conseguimos fechar contratos dessa linha para hotéis que operam em regime de flats e condo-hotel, o que significa superar uma barreira importante. O desafio agora é como elevar esse teto, e essa é uma briga que conduzimos via FOHB, porque a maioria dos nossos hotéis fatura acima do limite permitido. A outra linha para capital de giro não tem uma taxa de 3,5% ao ano, mas, colocando todos os custos, conseguimos chegar a 8,5% ou 9% ao ano, o que é muito bom. O problema aqui são garantias. Um condo-hotel, por exemplo, só tem recebíveis para apresentar. Conseguimos fechar dois casos, e estamos usando esses cases nas negociações com os Ministérios da Economia e do Turismo para destravar esse capital, de forma que o governo dê essas garantias ao setor hoteleiro. Essa é a discussão mais importante no momento.

Atlantica Hotels - entrevista Eduardo Giestas_interna11Negociações por novos contratos não foram canceladas, diz Giestas

HN: Vocês gerem muito condo-hotéis. No geral, qual a situação de caixa desses empreendimentos?

EG: Não há muita diferença, seja do ponto de vista operacional ou de demandas, porque há só o modelo de governança é diferente. A grande questão é o marco regulatório e as regras de condomínio, principalmente na questão de acesso ao crédito para capital de giro. Nossa briga está aí e estamos suportando o FOHB em um grupo de trabalho para explicar às autoridades como funciona esse modelo de governança. Só assim permitiremos que a liquidez injetada no mercado pelo governo chegue aos flats e condo-hotéis. Essa é nossa grande preocupação.   

HN: Pensando na retomada, qual seu grau de otimismo? O que retoma primeiro, por exemplo?

EG: Somos eternos otimistas, mas temos que adequar isso à situação do mercado. Quando colocamos a empresa no modo gestão de crise, replanejamos com uma visão realista de uma retomada difícil, já sabendo que a volta à normalidade aconteceria só no final de 2021. Por que é uma análise otimista? Porque nossa visão de médio e longo prazos não muda. O setor no Brasil continua atrativo, estava entrando em 2020 na fase final da crise de 2015 e 2016, com recuperação de diária média, apesar de ainda existir margem para crescer mais, e atividade de desenvolvimento considerável. Tudo isso, portanto, deixa-nos otimistas, embora a pandemia talvez tenha atrasado essa recuperação em dois anos. Ao mesmo tempo, corremos uma maratona, não podemos ter um olhar de apenas dois anos.

Não podemos perder a esperança e, certamente, o mercado vai voltar, lembrando ainda que se trata um setor resiliente, que já passou por outras crises no passado. Além disso, para um país de dimensões continentais como nosso, que é ainda subofertado em número de quartos, bem como bastante fragmentado, entendemos que há muitas oportunidades de crescimento e inovação. Em termos de segmento, nossa expectativa é que hotéis econômicos voltados para corporativo retomem primeiro. Sobre o lazer, alguns fatores podem atrapalhá-lo, como calendário cultural parado, malha aérea limitada e calendário de férias e de feriados já comprometidos pelo trabalho de contenção da pandemia. No corporativo, o que pode sofrer um pouco mais é o segmento Mice, com uma demanda que vai recuperar com mais cautela.

HN: Dá para pensar em desenvolvimento? Como estão os projetos em andamentos e as prospecções? 

EG: Projetos continuaram. Agora, algumas negociações desaceleraram, mas não pararam, isso do ponto de vista da assinatura de novos contratos. Em relação às aberturas, nossa projeção era, no pipeline contratado, abrir 14 unidades, número que deve ficar em quatro ou cinco em 2020. As demais inaugurações, é bom ressaltar, não foram canceladas, sendo postergadas para o ano que vem. Voltando ao desenvolvimento, há certa ebulição em negociações greenfield e de novos modelos de hospitalidade. Estamos ativos, mas é certo que o ciclo de conversas deve sofrer um pouco pelas incertezas. Reitero que a notícia boa é que não houve negociação cancelada em função da crise. Vimos até um aumento de demanda, tendo em vista que os investidores estão percebendo que é melhor ter uma bandeira mais sólida com acesso à distribuição. Pode ser também que haja maior procura de hotéis independentes para conversão, mudança que podem dar a eles respaldo para enfrentar os desafios de protocolo de segurança e de higiene, de distribuição e de plataformas digitais que serão altamente importantes daqui para frente.        

HN: Ainda sobre desenvolvimento, a Vert operava marcas próprias e da Wyndham? Como vai ser a estratégia daqui para frente? Como fica a relação com Radisson, Hilton e Choice?

EG: Nossa relação com as bandeira que operamos é sólida, de longo prazo e regida por contratos. Sempre respeitamos esses acordos e assim continuaremos. Ao longo da negociação com a Vert, deixamos claro que não temos restrição aos contratos existentes. Não existe descontinuidade e a relação continua firme com Hilton, Choice e Radisson – e agora também com a Wyndham. O importante é que temos os contratos que adquirimos por meio da aquisição e eles serão totalmente respeitados com as partes relacionadas, seja investidor ou Wyndham. Já estamos, inclusive, discutindo questões operacionais com a rede americana. Nossa preocupação inicial é honrar tudo que temos no pipeline no que já está acordado com a Wyndham. Ressalto também que a relação com e entre as bandeiras é um grande know how da Atlantica. Conseguimos gerenciar muito bem essa equação e o tempo que temos de parceria com as redes internacionais citadas mostra isso, sem gerar qualquer tipo de conflito. Ramada e Ramada Encore se encaixam em nosso portfólio e não vejo nenhum risco de conflito adicional.

(*) Crédito das fotos: Divulgação/Atlantica Hotels