Decretada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em março, a pandemia levou a hotelaria ao pânico. Eventos cancelados, famílias em isolamento social e empresas revendo rotinas de trabalho e de políticas de viagens nocautearam o setor. Hoje, puxado pelo lazer, começa uma leve reação, que pode ser medida pelo baixo índice de hotéis ainda fechados. Agora, os dias de semana continuam um desafio, e só o mercado corporativo pode resolver isso, certo?

Enquanto o lazer é a luz no fim do túnel para resorts, hotéis urbanos voltados ao business precisam se reinventar para sobreviver. O caso recente do Maksoud Plaza mostra que, de fato, a situação não é confortável. Na área de eventos, o modelo híbrido vem atuando como bote salva-vidas, mas o formato é incapaz de recuperar a demanda perdida. Dados da Alagev (Associação Latino America de Gestão de Eventos e Viagens Corporativas) de março dão uma noção da situação. Segundo a entidade, 41% dos encontros foram cancelados, 32% postergado e 27% foram cancelados parcialmente.

Entre as viagens corporativas, 79% foram canceladas, 20% foram parcialmente canceladas para alguns destinos e apenas 1% não sofreu alteração. “Temos que avaliar variáveis que influenciam a retomada, como a vacina, questões de fronteiras e protocolos. Acredito que as empresas vão liberar funcionários em extrema necessidade ou serviços essenciais”, diz Eduardo Murad, diretor executivo da Alagev. “Os protocolos dos hotéis são um fator importante também e se o viajante é do grupo de risco”, complementa.

Em maio, a entidade lançou uma plataforma colaborativa de gestão de crise, o Velocímetro. O site é alimentado com informações compartilhadas pelos próprios gestores de viagens e de eventos. Nele, é possível alterar os marcadores entre zero e 100 de acordo com as demandas do mercado. Até o fechamento dessa matéria, os indicadores de viagens de avião doméstica e internacional marcavam 22% e 3%, respectivamente. Já o índice de hospedagem doméstica estava em 39%, enquanto eventos nacionais com até 100 participantes estava em 1%.

“O Velocímetro indica que as viagens nacionais retornem primeiro, seguindo as mesmas tendências do lazer. As locações de veículos estão com volume de 35%, o que aponta preferência por viagens rodoviárias. Acho importante desmistificar o perfil do viajante corporativo, que são todos aqueles em que um CNPJ está pagando. Não é só o executivo que está em Congonhas todo dia, mas também um técnico que precisa viajar para arrumar uma antena de celular”, reforça.

Mercado corporativo - velocímetro

Mercado corporativo: impacto na hotelaria

Segundo o diretor da Alagev, a entidade atua com diferentes comitês para debater soluções para a retomada do setor. Um deles é ligado à hotelaria. “Hotéis são importantes fornecedores de viagens corporativas e um dos segmentos mais atuantes nas comunidades. Falamos diretamente com o FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), que é uma associação muito próxima de nós”, comenta.

Com DNA corporativo, a Deville Hotéis retomou suas operações em 1º de setembro. Segundo Cícero Vilela, diretor de Marketing e Vendas, ainda com demanda fraca, o primeiro movimento foi de preservar o caixa. “Com a suspensão total das atividades, a primeira providência foi adotar medidas que preservassem o caixa. Neste sentido, a Deville aderiu à Medida Provisória que autorizou a suspensão dos contratos de trabalho”, conta.

“Além disso, renegociamos contratos com fornecedores, como canais por assinatura e manutenção de elevadores, entre outros. Da mesma forma, buscamos o adiamento do pagamento de tributos e outras despesas. Felizmente, a situação de caixa da empresa é bastante saudável, o que tem permitido passar por esse período sem maiores problemas”, destaca Vilela.

Com unidades abertas desde maio, a Slaviero Hotéis já tem números nos quais se basear. De acordo com Cincinato Lui, diretor de Vendas e Marketing, as ocupações seguem na casa dos 20% e as perspectivas não são otimistas. “Já consideramos que esse será o nível até o final do ano, pois não haverá volta automática. Muitas empresas estão com problemas financeiros e, mesmo que venha a vacina, haverá uma retração econômica muito forte. Então, quando puderem voltar a viajar, não terão caixa para isso”, avalia.

Eventos híbridos são fator de peso no agravante de baixas ocupações. Mesmo com hotéis criando seus próprios espaços, o modelo de negócios freia as pequenas demandas existentes. Para Vilela, entretanto, as ações não representam perigo para a hotelaria. “A demanda por eventos híbridos é incipiente ainda. Os próprios clientes não percebem essa alternativa como totalmente adequada às necessidades”, destaca. “De qualquer forma, estabelecemos parcerias com empresas que fornecem este tipo de tecnologia, de modo a atender eventuais solicitações. Por enquanto, ainda não representa um volume significativo”, afirma.

O diretor da Slaviero afirma que o momento é de apertar cintos, pelo menos até o primeiro trimestre de 2021. Lui ressalta que é preciso cuidado redobrado do mercado para que não haja guerra tarifária. “Os eventos online tiram a pouca demanda que existe dos viajantes. Como não há demandas novas, temos que tomar cuidado para não sair abaixando os preços”, acredita.

Mercado corporativo - Gervasio Tanabe

Tanabe: há sinais tímidos de reação no horizonte, mas a preocupação no curto prazo com o cenário

Perspectivas de retomada

No primeiro trimestre, as transações das agências associadas à Abracorp (Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas) tombaram. Frente igual período de 2019, a queda mapeada foi de 18,7%, totalizando R$ 2 bilhões no período. Ao final de julho, os negócios já começaram a apresentar sinais de recuperação com vendas na casa dos R$ 96 milhões. “Estamos preocupados porque, lá no início, a estimativa era que o corporativo teria uma retomada antes do lazer”, explica Gervásio Tanabe, presidente executivo da Abracorp.

“A reação está mais sensível no corporativo, pois não estamos vendo grandes corporações voltarem à ativa. Temos casos isolados, mas, no geral, são essas empresas que mantêm o fluxo de viagens e outros segmentos. Pequenas e médias empresas já estão apresentando volume de transações, mas ainda longe da realidade de 2019”, acrescenta o dirigente da Abracorp.

O executivo destaca que a entidade vem tentando incentivar clientes a retomarem atividades apresentando protocolos e firmando parcerias. “Temos tentando mostrar para Pessoas Física e Jurídicas que os destinos estão se preparando para atender às necessidades. O mesmo vêm fazendo companhias aéreas e hotéis. Firmamos parcerias com os CVBs para que eles nos ajudem a dar esse alerta”, complementa.

A Alagev também tem trabalhado frentes com os governos, mas acredita que viagens corporativas serão apenas em extrema necessidade. “As empresas irão se perguntar se aquela viagem é realmente necessária. Nos eventos, a mesma coisa. Qual será o objetivo, a relevância. Também atuamos com questões jurídicas sobre o viajante corporativo e a responsabilidade das empresas em relação a segurança do colaborador”, explica Murad.

Para a hotelaria, pequenas e médias empresas são os principais emissores de hóspedes corporativos neste momento. “A demanda de hóspedes corporativos ainda se apresenta fraca. As grandes corporações estabeleceram critérios muito mais rígidos para autorizar viagens. Apenas aquelas imprescindíveis. Já as médias e pequenas empresas, por não terem condições de manterem-se inoperantes por longos períodos, estão retornando à rotina de viagens”, salienta Vilela.

Mercado corporativo - eduardo murad

Murad conta que entidade vem se articulando com outras associações para estimular o segmento

O diretor da Deville ainda ressalta que destinos secundários estão apresentando melhores performances em relação às capitais. “Maringá e Cascavel, por exemplo, estão com performances ligeiramente melhores do que capitais como Porto Alegre e Cuiabá. Acreditamos que isso está relacionado às características dessas localidades no que se refere às atividades econômicas preponderantes, casos do agronegócio, comércio e indústria têxtil, e à distância de grandes centros, que permite os deslocamentos por via rodoviária”.

“Não será um trabalho rápido e, provavelmente, acontecerá ao longo de 2021 para chegarmos perto dos patamares de 2019. Tudo isso levando em consideração o melhor cenário com a chegada de uma vacina”, complementa Lui.

(*) Crédito da capa: Cegoh/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação das entidades e redes de hotéis