Chegando ao fim da jornada da nossa série de reportagens sobre formação profissional e os desafios dos recém-formados em busca de inserção no mercado de trabalho, cheguei a conclusão de que a hotelaria tem borogodó. Sabe? Aquela atração inexplicável, um magnetismo sedutor que mesmo nos tempos mais sombrios é capaz de encantar clientes e transformar pessoas. E foi essa magia do setor a responsável por uma verdadeira metamorfose de Denis Antônio.

Em maio, a reportagem do Hotelier News esteve no Grande Hotel São Pedro para algumas filmagens e lá conhecemos o garçom e bartender de 26 anos. Apesar de se autodeclarar uma pessoa tímida, Antônio não exitou em nos conceder uma entrevista e contar como a hotelaria o transformou.

“Eu sempre fui muito tímido. Fui uma criança introvertida e com 15 anos cheguei a ter sérios problemas para conversar com as pessoas. Começar a trabalhar em restaurante foi uma quebra de barreira muito grande. Então, comecei a minha carreira atendendo no bar, pois era muito inexperiente para a cozinha e muito tímido para ser garçom”, relembra.

Natural de Sorocaba (SP) e filho de pai bancário, Antônio era um apaixonado por números e contas com o sonho de cursar Economia. Após ser dispensado do Exército, começou a trabalhar em um restaurante em sua cidade natal. Foi ali que os rumos da vida do garçom começaram a mudar.

“Fiquei encantado por aquele universo. Comecei no bar onde fiquei por três anos até receber uma proposta em Campinas para trabalhar como garçom em uma hamburgueria. Aceitei o convite e me mudei com uma mão na frente, outra atrás e a promessa de um emprego”, conta.

Denis Antônio tinha apenas 19 anos quando se mudou para Campinas. Lá, conseguiu se desenvolver, chegando ao cargo de coordenador de atendimento. Porém, a pouca idade e falta de experiência pesaram e ele optou por voltar para Sorocaba. “Estava muito novo para o cargo e me faltava maturidade”, considera.

Denis Antônio - interna

                                   Profissional ingressou no Grande Hotel em 2018

Denis Antônio: recomeços

Em um novo recomeço, o jovem até então de 21 anos decidiu que era a hora de se profissionalizar. Convicto em atuar no setor gastronômico, encontrou no Centro Universitário Senac as referências necessárias para traçar sua trajetória no ramo. “Fazendo algumas pesquisas, encontrei o Senac. Infelizmente, sofri um acidente de moto, o que acabou atrasando meus planos”.

Em busca de recolocação profissional e com o empurrão de uma amiga, Antônio fez uma entrevista para trabalhar no Grande Hotel em maio de 2018. Três meses depois, ingressou como estudante do curso de Tecnologia em Hotelaria do Senac e um universo de possibilidades se expandiu. “A hotelaria me abriu os olhos de certa forma. Quando entrei aqui, reacendeu a paixão que tive de início quando comecei a trabalhar em bar. Sempre tive o A&B na cabeça, mas existem outros setores como eventos e hospedagem que abriram minha mente de uma forma excepcional”.

Há três anos atuando como garçom e bartender do hotel-escola, Antônio formou-se ao final de 2020. De início, o profissional nutria o desejo de se tornar consultor gastronômico ou de atendimento. A ideia de cursar Hotelaria veio com o intuito de absorver conhecimentos de gestão e administração de restaurantes. “Quando comecei a trabalhar no Grande Hotel, entendi que tudo está interligado. É como um corpo humano, que sem a cabeça nada funciona. Percebi que tenho muitas possibilidades de atuação”.

Dia a dia

Morando sozinho em Águas de São Pedro, o garçom caminha por volta de seis minutos para chegar ao trabalho. Apesar de seu turno começar às 16h, ele prefere chegar 30 minutos adiantado para vestir o uniforme e sentir o movimento do dia. “Me troco, me preparo e chego um pouco antes para sentir o clima. Bato o ponto e vou para o meu setor. Entre 16h e 17h é o período de verificação e reabastecimento do bar. Minha rotina é basicamente fazer o mise en place e atender os clientes”.

Antônio explica que, mesmo trabalhando oficialmente no Bar do Hotel, localizado no lobby, as escalas podem variar de acordo com as demandas de ocupação. “Em tempos normais, se tem algum evento marcado, posso atuar em outro ponto de venda ou acabar estendendo um pouco mais meu horário”.

No Grande Hotel São Pedro, os profissionais são distribuídos de acordo com o perfil e identificação. “Sou apaixonado pelo Bar do Hotel. Mas vai de acordo com o funcionário e de onde ele se encaixa melhor. Treinamos constantemente as pessoas para atuarem em todos os setores e a distribuição vai de acordo com a necessidade de cada dia”.

E tivemos a oportunidade de acompanhar Antônio em ação em diferentes situações. Por sorte, no dia marcado para esta entrevista, o também bartender ministrou um workshop de Negroni no restaurante Engenho. Em princípio, não haviam hóspedes inscritos, mas com o approach certo, ele conseguiu convencer duas famílias a participar.

E é claro que a repórter que vos fala não perderia a oportunidade de acompanhar o workshop e de quebra degustar os drinks preparados por nosso entrevistado. Antônio deu uma aula sobre a história do Negroni e ofereceu cinco versões diferentes aos presentes. “Gosto de interagir com os hóspedes, perguntar o que eles acharam. Essa troca é o que deixa a rotina mais prazerosa. No começo, ministrava os workshops acompanhado por um garçom mais experiente. Para mim, foi difícil nas primeiras vezes, estava muito nervoso”.

Às 18h, Denis Antônio faz uma pausa para jantar e se prepara para a etapa da noite do turno. Naquela quinta-feira, o garçom trabalhou parte do dia no Bar do Hotel e, mais tarde, serviu um jantar harmonizado preparado pelo chef Gabriel Benigni. “Acho fantástico quando recebemos grupos ou eventos. Com cada um você aprende algo novo e tira um pouco da rotina”.

Denis Antônio - negroni

Workshop de Negroni, drink favorito do garçom

Um drink não é só um drink

Amante declarado da coquetelaria, Denis Antônio afirma que gosta mesmo é de casa cheia. Sempre em busca de se desenvolver, ele conta que está constantemente estudando harmonizações. Até o momento, o bartender tem uma receita autoral, o Relicário. O drink é uma combinação de suco de pitanga, gin, cordial de maracujá e limão cravo. “Foi uma criação para um evento. O nome é uma homenagem a Cássia Eller e servido em uma caixa com o coquetel dentro”.

Dentre tantas receitas e combinações, nosso entrevistado declara que tem preferência pelos clássicos e não recusa um Negroni. “É um drink que está no coração de todos e um dos que eu mais gosto de fazer e tomar. No preparo, também destaco o Mojito e New York Sour. São três com características diferentes e personalidades marcantes”.

Ele ainda conta que pretende se aprofundar mais no universo dos vinhos como forma de desenvolver receitas com mais excelência, mas garante que não tem a intenção de se tornar um sommelier. “Acho importante fazer as harmonizações certas. Quando você trabalha em um drink, não é apenas um drink. Existe uma história por trás, a cultura de um país. E nada melhor do que conhecer outras culturas do que por meio de um drink ou um prato”.

Denis Antônio - saída

      Antônio encerra seu expediente às 00h

Perspectivas

Como falamos no início da matéria, a hotelaria tem um poder de encantamento como poucos. Assim como outros entrevistados para esta série, Antônio transpassa uma fé inabalável no setor, por mais que o mercado diga o contrário. Apesar de atuar há pouco tempo no segmento, ele afirma que em momento algum se deixou abater pela crise.

“Quando você trabalha em bar, tem que estar preparado para qualquer imprevisto. Não fiquei desanimado, mas percebi que é a hora de separar quem realmente quer se reinventar ou ficar estagnado. A hotelaria tem isso em sua essência. Os hóspedes mudam, as gerações mudam, é um público que se renova”, avalia.

Mesmo sendo reconhecidamente um segmento com uma mão de obra mal remunerada e rotinas desgastantes, Denis Antônio realiza seu trabalho com um brilho olhar e sorriso no rosto que só quem foi picado pelo bichinho da hotelaria tem. Após um dia árduo, nosso entrevistado encerra seu expediente às 00h e grato pela profissão que escolheu.

“Tenho certeza que foi uma boa escolha. Você vive isso sete dias por semana, 365 dias por ano. São 24 horas de hotelaria. Mas em troca existe a humildade de ensinar, servir e compartilhar. Não vendemos apenas quartos, mas toda uma jornada de experiência. Com certeza o profissional que começou e o que eu sou hoje são duas pessoas bem diferentes”.

(*) Crédito das fotos: Nayara Matteis/Hotelier News