Ainda sem tração necessária, a vacinação no Brasil vem gradualmente avançando. Com as expectativas de aumento da imunização no país nos próximos meses e uma possível “normalidade” até junho, o setor de turismo aguarda ansiosamente pelo estouro da demanda reprimida por viagens, que devem começar pelo lazer. Ainda que a situação econômica seja incerta devido aos desdobramentos da pandemia, um pequeno recorte de brasileiros conseguiu fazer economias para viajar.

Segundo dados levantados pela GlobalData, o agravamento da situação financeira dos consumidores foi amplamente discutido nos últimos meses. No entanto, existe uma parcela de turistas que contornou a crise financeira e passou a poupar mais dinheiro. Consequentemente, esse nicho privilegiado acumulou renda durante a pandemia e pode estar planejando gastar mais do que o normal com viagens futuras. O estudo da consultoria apontou que 13% dos entrevistados afirmaram não estarem preocupados com a situação financeira pessoal. Em contrapartida, outros 34% alegam estar extremamente preocupados.

Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomércioSP, afirma que, apesar de não poder medir o Brasil com a mesma régua de outros países, houve um acúmulo de riquezas por parte da população. “Entre setembro e outubro o governo de São Paulo fez um levantamento sobre poupanças, entendendo que são todos os recursos que entram na conta do cidadão e não foram gastos. Houve, de fato, nas capitais, crescimento de captação concentrado nas maiores faixas de renda. São aqueles que mantiveram seus salários e não foram gravemente afetados”, explica.

Mesmo com a retenção de recursos, Mariana ressalta que é cedo para dizer que as economias serão direcionadas ao turismo. “Existe um grupo que terá mais dinheiro para gastar e não vê a hora para isso. O que não podemos fazer é a transposição de que essa poupança vai para um plano de viagens. Entretanto, pessoas com recursos que não foram para o exterior em 2020 devem dar bons resultados para o turismo doméstico”.

demanda reprimida - mariana aldrigui

                      Mariana alerta para que empresários não se iludam com a demanda

Demanda reprimida: luxo como catalisador

Se no segundo semestre de 2020 observamos uma tímida retomada nas viagens a lazer, ao enxugar as demandas do turismo de luxo, os resultados são ainda mais animadores. Sem renda reduzida e com as restrições de férias no exterior, os turistas com padrões de gastos constantes optaram por conhecer destinos dentro do próprio país.

“Esses consumidores realizaram viagens para locais seguros e, muitas vezes, exclusivos. Operadoras com qualificação para o mercado de luxo voltaram a atuar no mercado interno, o que levou a uma pressão para cima de preços entre os meses de novembro e dezembro. Muitos destinos de alto padrão não tiveram problemas de ocupação, mas isso não quer dizer que o prejuízo foi recuperado”, salienta Mariana.

Com um mercado de luxo consistente o suficiente para sustentar muitas empresas, o Brasil goza de grande potencial para abraçar as demandas dos turistas endinheirados, pelo menos, por enquanto. “O turista de luxo representa 5% da demanda brasileira. Em linhas gerais, temos apenas entre 20% e 25% da população financeiramente apta a viajar. Já as classes A e B voltarão ao internacional assim que possível e não vamos conseguir mantê-las aqui”.

Economia instável

Logo, se levarmos em consideração o estudo da GlobalData, ele não se aplica 100% a realidade brasileira. Com incertezas e instabilidade econômica, muitos consumidores podem deixar as viagens em segundo plano com medo do que possa acontecer no futuro. “A pesquisa faz sentido para economias estáveis e o que o Brasil não tem esse ano é previsão de estabilidade. Pode ser que tenhamos variação cambial ou uma questão inflacionária de lenta recuperação”, explica Mariana.

Ela ainda cita como exemplo o ano de 2014, um dos melhores para o turismo. “Foi um período após três anos de estabilidade econômica, quando as pessoas podiam se comprometer com parcelas. Hoje, o medo do desemprego é alto, o que reduz a disposição de gastos com viagens”.

Vislumbrando um 2021 desafiador, ela pede que os empresários do setor não se iludam com as expectativas de demandas reprimidas, ainda que o desejo do brasileiro seja viajar. Epicentro da pandemia atualmente, o Brasil também precisa investir em sua imagem no exterior para não repelir possíveis visitantes estrangeiros no futuro e frear a retomada.

“Quem está envolvido com negócios turísticos deve focar em demandas domésticas, de curta distância e duração. Se houver a possibilidade, investir em tecnologia, ter dois ou três cenários desenhados. Ainda que tenhamos resultados positivos no segundo semestre, precisamos da vacinação”.

(*) Crédito da capa: JEESHOTS/Pixabay

(**) Crédito da foto: Arquivo pessoal