A dinâmica na forma de fazer negócios mudou com a chegada da tecnologia. Em um mundo que opera em grande parte no ecossistema digital, os dados se tornaram o petróleo da nova era. E enquanto falamos sobre maturidade digital, implementar uma cultura data driven é parte fundamental para a competitividade de mercado.

Para esclarecer, data driven nada mais é do que a adoção de processos operacionais orientados por dados. Ou seja, quando uma empresa toma suas decisões e desenvolve planejamentos estratégicos baseada na análise de informações – e não de forma intuitiva ou direcionada por simples experiências. Logo, não se trata apenas de ferramentas, mas de uma metodologia que permite às organizações um entendimento mais assertivo dos negócios.

Desta forma, as ferramentas utilizadas coletam dados de diferentes fontes, tanto internas, quanto externas. Partindo do princípio do cruzamento de informações, as análises oferecem um panorama mais claro do mercado (clientes, produtos, concorrentes, fornecedores e etc). O data driven surgiu como um campo de conhecimento que faz o uso de métodos científicos e algoritmos, com a proposta única e exclusivamente de promover melhores resultados.

Como sabemos, a hotelaria é uma fonte riquíssima em dados. A cada hóspede que chega ou a cada cliente que entra em contato com a central de reservas, a base de informações ganha gordura, se bem administrada é claro. Apesar do imenso potencial de catalisar os negócios a partir de tais informações, o setor ainda não incorporou a cultura data driven.

“Se um hotel possui as ferramentas corretas para analisar adequadamente os dados que possui, eles serão capazes de criar estratégias que atendam às necessidades de seus hóspedes, bem como prever tendências futuras”, destaca Patrick Phelps, senior account manager Iberia & LATAM da Infor, empresa multinacional de software corporativo. “No mundo de hoje, os dados são fundamentais. Nunca antes tivemos tantas informações à disposição. Temos dados ao nosso redor de várias fontes, mas a questão é se temos as ferramentas corretas para tirar proveito”, acrescenta.

André Miceli, coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da FGV (Fundação Getulio Vargas), explica que existem cinco estágios de construção do uso de dados em uma empresa: o data blind (empresas que não utilizam dados); data reactive (aquelas que utilizam apenas informações práticas, como relatórios); data active (usam insights para prescrever ações); data proactive (capazes de analisar cenários e desenvolver ações rebuscadas) e data driven (empresas que de fato usam os dados para tomadas de decisões)

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Phelps: dados ajudam a atender melhor ao cliente

Data driven: mudança de cultura

Andando lado a lado com a transformação digital, o data driven é um dos elos que compõem uma mudança maior. E o primeiro passo para fazer dos dados a bússola das tomadas de decisões é a modificação da cultura empresarial.

“Empresas que desenvolvem essa cultura precisam ter maturidade na construção de perguntas e desenhos de cenários possíveis. Elas são capazes de entender a necessidade de seus usuários e promover uma personalização em massa. A utilização dos dados permite criar soluções com entrega de conteúdos dinâmicos. A capacidade preditiva também acaba por ser desenvolvida por meio de uma cultura analítica”, pontua Miceli.

E mais do que impactar resultados, o data driven se trata de gerar relacionamentos únicos em escala. Patricia Matzenauer, gerente de Marketing da Pmweb, explica que o uso de dados é vital na forma de se comunicar com o cliente e processos de automatização. “Os dados geram relacionamento, ou seja, na comunicação com os hóspedes de forma personalizada. Por mais que você tenha um hotel menor, ao longo da sua história você vai gerar uma base de informações que acaba sendo complexa para ser manual. A cultura data driven opera como um guia de estratégias. E isso significa que eu me comunico com pessoas com perfis similares, mas com comportamentos diferentes”.

Cada cliente vive um ciclo de vida individual de relacionamento com determinada marca e é a partir desse princípio que são feitas as segmentações, baseadas em pessoas e perfis, gerando comunicação alinhada a esse comportamento. “Pode ser um cliente recente, frequente, de ticket médio ou alto. Sendo data driven é possível captar cada um desses momentos para nos relacionarmos de maneira customizada e automatizada”, salienta Patricia.

Para transformar a cultura empresarial, Phelps afirma que abraçar a tecnologia e ter uma visão crítica dos sistemas que estão sendo utilizados no hotel são o pontapé inicial. “As soluções atuais em uso são realmente adequadas à hospitalidade e às necessidades do hotel? As soluções são fáceis de usar e fornecem as informações necessárias para que as equipes trabalhem com eficiência? É isso que o hoteleiro precisa se questionar”, diz.

Entender quais os propósitos para o uso de dados e se a equipe realmente está preparada para essa transformação são outras perguntas-chave a serem feitas. Em um mercado fragmentado como a hotelaria, é de extrema relevância saber como o produto está sendo percebido pelos clientes.

“Usando São Paulo como exemplo, existem hotéis que estão na mesma área ou na mesma rua, mas atendem a destinos bem diferentes. Por isso, é importante ter dados que ajudem a entender o comportamento e os desejos de seus clientes. Dados gerais ou números relativos à cidade ou a uma área não são suficientes no ambiente de mercado de hoje”, acrescenta Phelps. “Os processos de tentativa e erro podem ser caros e não muito eficazes, mas ao comprar analisando os dados corretamente, um hotel elimina o trabalho de adivinhação na criação de estratégias”, explica.

Os dados na hotelaria

Para empreendimentos hoteleiros, podemos citar alguns questionamentos que podem ser feitos para a análise de dados. Se há um aumento nas reservas de famílias, isso se deve ao preço, produto ou localização? Com a implantação de uma cultura data driven, é possível detalhar informações para entender quais pontos esses clientes têm em comum e o que pode ser feito para manter essa demanda.

“Os dados permitem que os hotéis tomem decisões com base em fatos em vez do instinto. Eles podem ser usados ​​para saber como e quando ocupar o seu hotel, para a compra de produtos frescos, para saber quais quartos ou tarifas estão sendo reservadas, bem como saber em quais períodos são mais solicitados, quem são meus hóspedes e quanto eles gastam, se tenho muita dependência de um segmento ou país e por aí vai. Dados são essenciais para construir uma estratégia baseada em fatos ou números. Na Infor, temos ferramentas que possibilitam ao hotel ter uma visão em tempo real de todos os aspectos de suas vendas com alguns cliques, como previsões e recomendações de preços, para maximizar suas vendas”, avalia Phelps.

E isso vale também para empreendimentos pequenos, familiares e independentes. Phelps ressalta que esses players precisam, muito mais do que hotéis maiores e grandes redes, fazer o uso dessas informações para se manterem competitivos no mercado, visto que não possuem a mesma estrutura que seus concorrentes.

É importante ressaltar que fazer o uso de tecnologias não requer nenhum conhecimento técnico. No mercado, observamos hotéis que não possuem departamentos específicos de TI (Tecnologia da Informação), mas nem por isso deixam de ter acesso a ferramentas que operam de forma simples e intuitiva.

“Pode parecer algo muito robusto e fora do alcance, mas hotéis que não têm condições de arcar com custos de ferramentas podem fazer pequenas alterações manuais. Um exemplo é o mapeamento de hóspedes frequentes e VIPs, estreitando relacionamentos com aqueles que são mais próximos com o envio de emails, SMS, WhatsApp, enfim, se comunicar para que o empreendimento não seja esquecido”, diz Patricia.

Dentro do setor, um case de sucesso de uso de dados é a Amarante Hospitalidade. Segundo Mário Vasconcellos, CEO da rede, a implantação da cultura data driven foi construída ao longo dos anos, desde 2011, com consultoria da PDCA. “Nos auxiliaram na criação de objetivos, metas e indicadores setoriais, bem como no processo de acompanhamento, análise e apresentação de resultados. Essa rotina de análise iniciou na área de Marketing e Vendas e se espalhou depois por toda organização”.

E os resultados vieram. De acordo com Vasconcellos, o compartilhamento de informações e análises permitiu que a empresa tomasse melhores decisões baseadas na inteligência coletiva. E o modelo se mostrou eficiente para o incremento de RevPar e GOP dos empreendimentos da rede.

“por meio de definições de metas claras, com rotinas de monitoramento e análise, buscamos identificar oportunidades e necessidades que possam impactar nos objetivos da Amarante, fazendo o alinhamento com as áreas envolvidas em reuniões semanais para que possamos atuar de forma ágil e eficaz. Dois pontos que conduzem as decisões são a eficiência, medida por meio de diversos indicadores, e o alinhamento com as marcas. Esses focos nos permitem alcançar desempenhos comerciais expressivos e posicionar as marcas no mercado de forma coerente”, diz Vasconcellos.

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Mudar a cultura vai além de treinamentos, diz Patricia

Ferramentas e investimentos

No caso da Amarante, o CEO considera que os investimentos não foram elevados quando comparados com os benefícios. “Utilizamos diversas ferramentas, a maioria na nuvem. Alguns exemplos são: CRM da Salesforce; BI QlikSense; Gerenciador de Projetos Asana; Triptease, ferramenta que nos ajuda a impulsionar as vendas diretas por meio de campanhas automatizadas personalizadas para nossos clientes da venda direta online”.

Sobre as ferramentas que devem ser priorizadas, Phelps ressalta o PMS, CRM e Revenue Management. “O centro do hotel é o PMS, onde muitas das informações residem. A reclamação comum que ouvimos de hotéis que estão migrando para o Infor HMS (PMS) é que com seus PMS atuais ou anteriores eles não podiam acessar facilmente seus dados. O importante é um PMS potente baseado na nuvem que permitiria o acesso aos dados de que o hotel necessita”.

O executivo da Infor esclarece que os próximos passos são o ecossistema do PMS, com soluções de CRM, RM, BI, Sales & Catering interagindo. “Quando esses sistemas estiverem totalmente integrados ao PMS, o hotel terá uma série de dados que podem ser usados ​​para diversos fins. Por exemplo, as informações que estão sendo extraídas do PMS pela plataforma de receita devem fornecer ao hotel informações sobre coletas, segmentos, canais de distribuição, duração das estadias, etc. para fornecer ao hotel insights sobre os hábitos de seus clientes”.

Engajamento da equipe

Quando falamos sobre transformação de cultura, o engajamento dos líderes e colaboradores é o maior desafio e também parte primordial no processo. Na Amarante Hospitalidade, os gestores buscam incentivar as equipes a explorarem novas ferramentas. “Sempre partimos da ideia de que o mais importante para a tomada de decisão não é ter a melhor ferramenta, mas ter a informação que realmente importa disponível, mesmo que para isso o processo seja manual no início. Com o tempo, os grupos vão percebendo quais são as métricas mais importantes e seguem com o refinamento de relatórios e análises compartilhadas em reuniões semanais de monitoramento de planos de ação”.

E Miceli salienta que as lideranças precisam motivar a transformação, sempre reforçando os benefícios da mudança no dia a dia e resultados. “A questão cultural precisa ser reforçada. Não existe organização data driven sem que haja esforço dos gestores no desenvolvimento da cultura analítica. Toda a tecnologia é baseada em pessoas e o ensinamento precisa ser estimulado. Investir em colaboradores é peça chave no processo, além de criar departamentos específicos. Não vejo como uma empresa se tornar data driven sem que haja a formalização das iniciativas”.

Para Pmweb, a cultura vai muito além do treinamento e da capacitação dos profissionais. Segundo Patricia, os colaboradores têm que estar alinhados às mudanças e diretrizes. “A cultura se transmite na forma como o hotel lida com seus colaboradores, e isso reflete na relação com o hóspede. É algo muito enraizado”.

“Vale ressaltar que a formação de uma cultura data driven é uma jornada que não tem fim, independentemente do ponto de partida, é necessário o engajamento de todos para acumularmos a maior quantidade de dados de qualidade para garantir informações relevantes e confiáveis”, complementa Vasconcellos.

(*) Crédito da capa: Pexels/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação