O ano é novo, mas o cenário já é conhecido. Desde o início da pandemia, em março do ano passado, a hotelaria viu a demanda corporativa virar fumaça, principalmente nas grandes capitais. Com a vacinação ganhando tração, a expectativa era que o panorama tomasse outros rumos em 2021. Ledo engano. Sem perspectivas concretas de retorno das viagens por parte das grandes empresas e multinacionais, que têm políticas de viagens mais rígidas, hotéis urbanos assistem o público de lazer dar o pouco do oxigênio existente no setor aos resorts. Diante disso, para unidades mais focadas no segmento de negócios, a alternativa é mirar em quem ainda se arrisca a viajar. E a pergunta que fica é: dá para virar a chave?

Mesmo que a luz no fim do túnel ainda pareça distante, empreendimentos com perfil business podem e estão buscando saídas para suprir suas carências. Além do room-office, adotado por boa parte das operadoras e alguns independentes, o bleisure também desponta como uma tendência que veio para ficar.

Impulsionado pelas medidas de restrições de viagens, as demandas locais atualmente são os principais alvos dos hoteleiros. Alguns empreendimentos de grandes centros urbanos, como é o caso de São Paulo, identificaram um potencial consistente no staycation, fruto da fadiga causada pela quarentena.

Para responder à pergunta inicial, o Hotelier News explorou o tema com três executivos de redes com DNA corporativo e extensos portfólios de hotéis urbanos para entender quais adaptações podem ser implementadas para atrair os públicos em questão.

virar a chave - annie morrissey

                             Annie: hotéis urbanos precisam enxergar novas fontes de receita

Virar a chave operacional

Algumas unidades se adiantaram e realizaram mudanças operacionais e estruturais. Com forte apelo para o segmento Mice, o Bourbon Convention Ibirapuera entendeu o recado. Apostando no turismo de isolamento, o hotel fez adaptações para o home-office alinhados a pacotes românticos para casais e A&B (Alimentos & Bebidas) diferenciado.

“Empreendimentos urbanos precisam aproveitar esse ano para enxergar novas fontes de receita. Além do lazer, unidades com bons restaurantes, como é o caso do Bourbon Ibirapuera e Curitiba, podem explorar seus potenciais com delivery e, assim que possível, com experiências gastronômicas”, pontua Annie Morrissey, diretora de Marketing e Vendas da Bourbon Hotéis & Resorts.

Além do já citado room-office, a executiva ainda pontua pequenas alterações como extensão do horário do café da manhã, investimento nos serviços de concierge e implementação de políticas pet friendly. “A operação não pode ser rígida, o que pode ser um desafio para esses hotéis. Focar no destino tende a ser uma boa alternativa, visto que são famílias que querem sair de casa. Colocar mais espreguiçadeiras nas piscinas e reforçar o atendimento nas áreas de lazer também é importante”.

Para a ICH, as transições foram mais suaves. A rede passou por um reposicionamento de marca nos últimos anos e deixou no passado o estereótipo de rede business. “Essa mudança fez com que estivéssemos mais preparados para a pandemia, mesmo sem saber. Nos posicionamos como hotéis urbanos que atendem a públicos de lazer, negócios, eventos, saúde e etc. Fizemos um trabalho forte para aumentar a demanda aos finais de semana e estamos prontos para receber hóspedes que não sejam executivos”, salienta Marcelo Marinho, diretor executivo da operadora gaúcha.

E essa colocação teve reforços nos hotéis lifestyle, como é o caso do Yoo2 Rio, que veio para trabalhar as novas bases de clientes da ICH. “Entendemos que era importante convocar esse público, principalmente em destinos com potencial forte para shows e lazer. Nas unidades que demandam adaptações, estamos caprichando na área da piscina, salão de jogos, kids club, restaurante e room service”, complementa Marinho.

Com uma estratégia semelhante, a Atlantica Hotels, mesmo antes da pandemia já vinha buscando fomentar a demanda para hotéis urbanos. “Vínhamos incorporando a estratégia em unidades que não possuem muita opção de lazer em sua estrutura. Você até pode oferecer uma recreação ou outra atração à parte, mas por definição aquele hotel é mais para o corporativo. O caminho acaba sendo vender o próprio destino”, avalia Daniel Bulgueroni, diretor de Negócios B2C da rede.

virar a chave - marcelo marinho

                                                Marinho ressalta mudanças no posicionamento da ICH

Treinamento da equipe

E de nada adianta virar a chave operacional sem promover um bom treinamento para as equipes. Visto que hóspedes de lazer costumam ser mais exigentes quanto ao atendimento, a atenção deve ser redobrada. “Acredito que as áreas que necessitam de maior treinamento são Reservas e Recepção. No primeiro caso, os colaboradores precisam estar afiados para as vendas, enquanto, no segundo, a dinâmica muda muito, pois executivos costumam passar o dia fora do hotel”, ressalta Annie.

A fala da diretora vem de encontro com as medidas praticadas na Atlantica, que também reforçou a capacitação nos profissionais da recepção e outras áreas de maior contato com o hóspede. “Fizemos um misto de incentivo e capacitação com os times para fomentar as hospedagens vindas de canais diretos. Treinamos a abordagem para clientes que vêm pelo site”, revela Bulgueroni.

Na prática, os profissionais de departamentos como Reservas, Recepção e Eventos ganharam um QR Code com o nome do colaborador. No momento da compra, o hóspede utiliza o código promocional.

A ICH realizou treinamentos baseados em cases e com foco principalmente nos gerentes gerais. “Orientamos para que eles buscassem esses nichos e estarem abertos ao público. A dinâmica do hotel muda, então sugerimos alterações como aceitação de pessoas com roupa de banho no restaurante, por exemplo. Em algumas praças, como Maceió, funcionou bem”, acrescenta Marinho.

virar a chave - Daniel Bulgueroni

                               Bulgueroni: Atlantica aposta em campanhas focadas nos destinos

Precificação e distribuição

Públicos diferentes pedem canais de distribuição diferentes. O diretor da ICH pontua que a rede vem trabalhando caso a caso, sempre baseados em dados. “São Paulo é nosso maior emissor de turistas e as origens dos hotéis são da própria cidade ou municípios vizinhos. Já 43% dos hóspedes do Rio de Janeiro são cariocas. Cada praça reagiu de um jeito dentro de um mesmo mercado. Moema está diferente das Nações Unidas, por exemplo”.

Com a precificação ditada pelo segmento, a empresa já anunciava seus empreendimentos em prateleiras voltadas ao público de lazer e afirma não ter firmado novas parcerias. “Nós temos uma ampla distribuição para o lazer em todos os canais e plataformas. Não entramos em nenhum canal novo, mas acompanhamos o mercado e flutuações. Estamos fazendo também campanhas nas redes sociais com foco em lifestyle”, adiciona Marinho.

Dar prioridade para fotos que destaquem as áreas de lazer é uma das estratégias de vendas da Bourbon. A rede também busca reforçar os atrativos do destino e planeja seus tarifários de acordo com o calendário de eventos e feriados. “As imagens precisam ser atrativas para esse público. O conteúdo não pode ser engessado e precisa ser revisto. Criar cronogramas nas mídias digitais e repensar valores montando pacotes com jantares, por exemplo, é uma alternativa”, avalia Annie.

Investindo forte em publicidade, a Atlantica vem incentivando a permanência às segundas-feiras com a campanha Sinta-se em casa, buscando impulsionar o bleisure. “Estamos fazendo ações de email marketing e redes sociais oferecendo essa extensão por meio de descontos e código promocional. É uma tendência que veio forte no ano passado e deve voltar em definitivo. Foi um nicho que se fortaleceu”, explica Bulgueroni.

Sem entrar em guerras tarifárias, a rede também aposta em promoções para datas comemorativas sem grandes mudanças em termos de valores. “Precificação é sempre a primeira briga em momentos de crise. A demanda se retrai e baixar as tarifas não vai trazê-las de volta. Estamos investindo em anúncios e SEO para trazer tráfego para o site, o que é mais saudável, protege o preço e ainda traz novos hóspedes”, finaliza o diretor da Atlantica.

(*) Crédito da capa: Pixabay

(**) Crédito da foto Annie: Nayara Matteis/Hotelier News

(***) Crédito da foto Marcelo: Arquivo HN

(****) Crédito da foto Daniel: Divulgação/Atlantica Hotels