Se existe uma grande lição da crise atual é que previsões mudam quase todos os dias e futurismos muitas vezes são verdadeiros tiros no escuro, muito embora a previsibilidade seja maior do que no ano passado. Prestes a completar um ano de pandemia, a hotelaria ainda se vê perdida em um mar de incertezas, apesar do otimismo cada vez maior do empresariado. Com a chegada da segunda onda e da vacina, praticamente juntas, a HotelInvest enxerga um cenário conservador para o setor e mantém suas projeções a curto prazo.

Segundo dados do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), 2020 encerrou com queda em todos os indicadores de performance hoteleiros. Até aí, nenhuma surpresa, mesmo porque o cenário é global. Apesar de tantas notícias ruins, o declínio de 6% da diária média é visto como um ponto positivo no comportamento do mercado, indicando que a temida guerra tarifária não passou de tentação.

Já o número de room nights vendidos totalizou 7.187.553, 54,6% das 15.834.189 comercializadas um ano antes. Na mesma base de comparação, a receita de hospedagem recuou 57,3%, pulando de R$ 3,7 bilhões para R$ 1,5 bilhão, ainda segundo dados do FOHB. A amostra, que soma 880 hotéis (142.262 UHs), aponta ainda que, até dezembro, apenas 6% da oferta brasileira permanecia fechada, contra 64% em abril, período mais crítico da pandemia.

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HotelInvest: cenário conservador

Nadando de acordo com a corrente, hotéis no país começaram a retomar atividades conforme os governos anunciaram medidas de flexibilização da quarentena. Em maio, os primeiros hotéis já sinalizavam reaberturas em um movimento crescente que acompanhamos pelos meses seguintes.

“Não é novidade que 2020 foi difícil para o mercado, mas que teve sinalizações interessantes. A hotelaria vinha reagindo até outubro, quando olhamos a evolução do cenário entre janeiro e dezembro. Setembro foi um mês que acelerou a curva de retomada, chegando aos 23% de ocupação”, contextualiza Pedro Cypriano, sócio da HotelInvest.

Em outubro, o indicador pulou para 30%, aumentando a expectativa dos players do setor. “A curva de contágio vinha perdendo força no país, o que mostra que não precisamos necessariamente de uma vacina para ter alguma recuperação, apesar da imunização acelerar esse processo”, adiciona Cypriano.

Se observarmos outras praças como China e EAU (Emirados Árabes Unidos), regiões onde a vacinação ainda não havia começado, a hotelaria já sinalizava evoluções, voltando a patamares razoáveis e com o contágio por Covid-19 controlado. No Brasil, a esperança era de saltos na recuperação em novembro e dezembro, o que acabou não se confirmando.

“Esses seriam meses catalisadores da retomada, com o corporativo acreditando nos estudos publicados indicando o controle do contágio e o alcance de resultados no segundo semestre. Veio a segunda onda, ganhando mais expressão em novembro, e acompanhamos a inflexão dessa curva com aumento de casos e perda de confiança das empresas em retomarem as viagens”, pontua Cypriano. “Saímos de outubro com 30% (de ocupação), atingindo 33% em novembro e 34% em dezembro, uma evolução bem mais lenta do que apontava o cenário mais otimista”, complementa.

O que esperar de 2021?

Para o sócio da HotelInvest, o primeiro semestre não trará grandes mudanças frente a 2020, com uma possível melhora a partir da segunda metade do ano. “Ainda estamos no meio da segunda onda, com leitos de UTI em uma situação delicada e percentuais elevados de ocupação. Em curto prazo, não existem expectativas de que o cenário mudará muito”, avalia Cypriano.

Orlando Souza, presidente do FOHB, reforça a falta de eficácia nas previsões diante de um cenário tão inconstante e acredita que, para chegar aos patamares de 2019, o setor terá que lutar por mais dois anos. “Todas as previsões feitas desde o início de 2020 são destruídas em semanas. Em abril, achávamos que em 60 dias tudo estaria resolvido, que virou 180 dias e assim por diante. Não dá pra imaginar um 2021 diferente. Talvez em 2023, a hotelaria consiga chegar aos números pré-pandemia”.

O pessimismo para o primeiro semestre se dá pela lentidão do processo de imunização da população e a falta de tratamento eficaz contra o Covid-19. “Não há chance de retomada de feiras, congressos e do segmento corporativo sem a vacina, e esse processo lento vai perdurar até criarmos um ambiente seguro”, prevê Souza.

Vislumbrando um cenário mais positivo, o segundo semestre ainda é uma incógnita, dependendo totalmente de como ocorrer a imunização da população até a metade do ano. “Se controlarmos a segunda onda e a vacinação ganhar mais força, pode ser uma situação mais favorável, mas na prática, não esperamos mudanças substanciais. É provável que os patamares pré-crise estejam mais próximos apenas no último trimestre”, afirma Cypriano.

Além das demandas do mercado, o sócio da HotelInvest ainda ressalta os problemas econômicos que o país deve enfrentar para se recuperar do baque, fator que pode desacelerar a retomada. “A pandemia vai ser controlada, mas a economia vem andando de lado desde 2014. Precisamos discutir isso de forma mais sólida, implementar debates no setor e no nosso dia a dia. É importante olhar o mercado sob a ótica da economia, pois a conta a ser paga pelos governos em relação aos gastos nesse momento de travessia nos darão um horizonte mais longo”, finaliza.

(*) Crédito da capa: reprodução

(**) Crédito da imagem: Divulgação/FOHB