Acordar com uma bela e farta mesa de café da manhã à disposição é parte da expectativa da maioria dos hóspedes. Afinal, não é todo dia que temos a oportunidade de nos deliciar com tamanha variedade de alimentos sem precisar gastar horas na cozinha ou passar outras tantas lavando louça. Esta jornalista que vos fala, por exemplo, considera a primeira refeição do dia o ponto alto em qualquer estada. Agora, por trás dos bufês impecáveis existe um custo que só o hoteleiro vê.

Perante uma crise sem precedentes, muitos deles estão revisitando os custos, colocando tudo na ponta do lápis, para entender se vale continuar com a cultura do café da manhã grátis. Isso porque, em vários países do mundo, como nos EUA, cobrar à parte essa refeição é algo absolutamente natural. Com a pandemia, portanto, o país dos amantes do all inclusive ganha uma janela de oportunidade. Se antes a cobrança poderia significar perdas de reservas, incentivar a prática agora ajuda a redesenhar a cultura hoteleira e incrementar as receitas de A&B. Será que chegou a hora?

Presidente do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), Orlando Souza é grande defensor da iniciativa. Ele ressalta que a medida tem um impacto importantíssimo no final do mês e alerta que, fazendo uma analogia com uma frase corrente entre brasileiros para dizer que deve-se lutar sempre pelas nossas conquistas, “não existe café da manhã grátis”. “É um custo que está atrelado ao valor da diária e pode ser repassado a terceirizados e ter muita relevância na rentabilidade. Não é uma composição simples, é complexa, e deveria ser cobrado separadamente. Não existe café grátis, alguém está pagando por isso.”

Souza relembra seus tempos de Accor, quando respondia como diretor de Operações dos hotéis midscale, no início dos anos 2000. À época, a rede francesa tentou realizar um movimento para retirar o café da manhã das diárias, esperando que a concorrência fizesse o mesmo, o que não aconteceu. “Nós sabíamos que o impacto seria relevante, mas outras redes furaram a história, alegando oferecer o serviço gratuitamente como jogada de marketing, o que foi uma problemática”, relembra.

Para completar, o executivo alega que não faz sentido todos os hóspedes pagarem pela refeição, visto que muitos não fazem o uso do serviço. “Quem toma o café faz jus ao preço. Quem não toma paga pelo outro”, destaca.

café da manhã - marcelo traldi

Hábitos de consumo devem ser avaliados, diz Traldi

Questão de hábito

Tomar a decisão de tirar o serviço pode ser mais delicado do que parece, uma vez que o café da manhã é parte importante do conceito hoteleiro. Marcelo Traldi, consultor e professor do bacharelado em Hotelaria do Senac, pontua que, para o hóspede brasileiro, contar com a refeição é uma comodidade.

“O conceito de hospedagem é bed and breakfast, o que atrela a hotelaria ao café da manhã. Além de um elemento de comodidade, é sinônimo também de praticidade para o corporativo, já que as empresas consideram a diária e o café como apenas um pagamento. Em termos de processo e controle para pessoas jurídicas, emitir apenas uma fatura ajuda a controlar despesas”, complementa Traldi.

Muito além de uma questão financeira, os hotéis precisam olhar para os hábitos de consumo dos clientes. Quando um hóspede faz uma reserva, normalmente já conta com aquele serviço, sem pensar em procurar outros estabelecimentos para comer pela manhã. “É um produto muito demandado pelos clientes, pois existe a questão da cultura. Nos EUA, quase nenhum empreendimento tem o café incluso, enquanto no Chile a maioria incorpora a refeição à diária”, analisa o consultor.

Outros fatores de peso são o perfil de público e a localização da propriedade. No caso de unidades voltadas ao segmento corporativo, ainda que as empresas deem preferência para empreendimentos com o serviço, muitos hóspedes acabam não fazendo a refeição. “Muitas pessoas não têm tempo para comer pela dinâmica do trabalho ou da cidade. Se o hotel está localizado em uma metrópole como São Paulo, existem muitas opções até mesmo mais baratas. Já no lazer, a proposta é relaxar, curtir e aproveitar. Nesse aspecto, o café da manhã tem um peso maior”, pondera Traldi.

Engordando a receita

Voltando ao assunto central, o que de fato está em jogo é a recuperação financeira dos hotéis perante uma crise econômica, política e sanitária. Não é de hoje que especialistas do setor batem na tecla da relevância da área de A&B (Alimentos & Bebidas) na receita final, além da importância de descobrir novas fontes de receita. Para ficar na indústria de viagens, atualmente várias empresas aéreas possibilitam a customização de toda viagem, de um assento melhor à bagagem extra cobrada à parte.

“É uma capacidade de faturamento que aumenta. Você tira o custo e transforma em venda, mas existe uma percepção de valores. Os hotéis precisam olhar o A&B como gerador de renda e não despesa. Aqui, falamos de até 5% do preço da diária. Se a tarifa é R$ 200, é aceitável cobrar R$ 60 pelo café. Por outro lado, existe uma parcela de clientes que não finaliza a reserva se o serviço não estiver incluso”, avalia o consultor.

Traldi explica que, se o consumidor fizer as contas, muitas vezes pagar pela refeição no hotel não vale a pena. “Não é um café da manhã barato, pois existe a montagem do bufê, grande oferta de produtos entre outros elementos que encarecem. Quando se desenvolve um produto de A&B, é preciso pensar em todas as variantes”.

Mesmo com valores pouco acessíveis para muitos, o café da manhã de hotel segue como item de desejo por grande parte dos consumidores. Em outubro de 2021, aconteceu a primeira edição do Breakfast Weekend, em São Paulo, que reuniu mais de 40 propriedades. Durante o mês, cerca de 40 mil pessoas degustaram as diferentes opções de bufê na capital paulista, o que impulsionou a receita das unidades participantes. Algo a se pensar.

Tendência que ganhou espaço nos últimos anos, a terceirização do A&B é um modelo de operação atrativa para muitos empreendimentos, mas a decisão deve ser analisada com cautela, pois os hotéis querem pagar o mínimo, enquanto os operadores tentam ganhar o máximo.

“Sempre foi algo difícil de considerar, pois para entregar um bufê de qualidade é preciso ter disponibilidade de custo e bons players são caros. Logo, sempre vai existir uma zona de atrito, pois os hotéis querem colocar o mínimo para conseguir o máximo de resultado, o que afeta na oferta final. É uma opção viável, desde que o contrato entre as partes seja muito bem estruturado e a contrapartida para o restaurante seja justa, de ganha-ganha”, acrescenta Traldi.

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Deville fez um estudo de praças, revela Raganhan

Impactos reais

Em 2021, a Hotéis Deville passou a estudar novas formas de gerar receita e subir os resultados de seus empreendimentos. Com uma análise feita praça por praça, a rede optou por vender tarifas sem café em quatro capitais: Curitiba, Porto Alegre, Cuiabá e Campo Grande.

“Fizemos um levantamento de benchmarking com a concorrência para entender se os hotéis vendiam tarifas sem café, além do comportamento dos visitantes. Ao final do estudo, chegamos a esses quatro destinos”, explica Lucas Raganhan, gerente de Marketing e Relacionamento com o Cliente da Deville.

É importante frisar que todas as unidades têm operação própria de A&B e que as tarifas estão disponíveis em canais diretos, OTAs e operadoras. Segundo Raganhan, a diferença de preços é apenas o valor da refeição.

Após quase um ano de operações com a oferta, cada praça reagiu de maneira individual. Em Cuiabá, a venda total de reservas com tarifa sem café da manhã em 2021 foi 452, representando 1,5 % do total do ano. Para 2022, a opção está mantida para canais diretos e OTAs.

Na capital mato-grossense, o canal preferido dos clientes é o direto para compra da opção de tarifa (27,65%). Porém, no caso do corporativo, a Deville enxergou perda de receita. “São clientes que tomariam o café da manhã se tivesse incluso, mas não consomem a refeição à parte no hotel”, conta o gerente.

Em Campo Grande, as diárias sem café em 2021 totalizaram 236, ou seja, apenas 0,7% das reservas para o período. Por enquanto, a opção está em manutenção para análise do departamento de receitas. Vale ressaltar que, neste caso, os canais diretos responderam por 71,19% das reservas.

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Tarifa tem grande aceitação do público, aponta Cambé

No Sul, a conta fecha diferente. No caso de Curitiba, 1.653 reservas foram direcionadas para tarifas sem café, 11,3% do montante de 2021. Os clientes do Deville Prime Curitiba Batel também deram preferência para OTAs (84,77%). Para 2022, a estratégia se mantém.

Já a capital gaúcha foi a recordista de reservas sem café (4.079), responsável por 14,3% do total. Cerca de 78,13% das vendas vieram de OTAs. “De acordo com análise do gerente geral do hotel e da diretoria, a tarifa vendida em 2021 não valeu a pena, mas como a decisão para 2022 a meta é aumentar a diária média, entendemos que esta tarifa não incrementaria”, complementa o gerente.

Inspiração para a Hotéis Deville, o Marriott São Paulo Airport sempre trabalhou com flexibilidade tarifária. Por ser uma unidade de rede internacional, com alto índice de hóspedes estrangeiros, o hotel tem boa aceitação por parte do público. “Essa tarifa é escolhida sobretudo quando a hospedagem é curta, por somente uma noite, e o hóspede já sabe que vai sair pela manhã bem cedo”, revela Nilton Cambé, gerente geral do empreendimento.

Atualmente, o preço do café da manhã servido no restaurante e cobrado à parte é R$ 75,00. Já a diferença entre a diária com ou sem a refeição pode chegar a somente metade desse valor, logo é mais vantajoso escolher a tarifa com o serviço no ato da reserva.

Cambé explica que a adesão varia muito de cliente para cliente. “Se ele vai estar no hotel durante o horário do serviço, acaba aderindo sim e já é solicitado a inclusão do café. Outros preferem solicitar à parte, servido no quarto, quando sabem que sairão do hotel antes do café ser disponibilizado no restaurante”.

No Marriott, a montagem do bufê é feita com base na quantidade de hóspedes que possuem a tarifa com café, o que direciona o cálculo dos itens. “Oferecer a tarifa sem café é importante não somente pela previsibilidade de quantos cafés serão servidos, mas sobretudo para que o hóspede tenha opções tarifárias e que escolha aquela que melhor atende à sua necessidade”, finaliza Cambé.

(*) Crédito da capa: the rachelstory/Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação