Em tempos de pandemia, a busca pelo isolamento social em cenários paradisíacos, envoltos por natureza e ainda com serviços exclusivos é uma prática que ganhou força. Catalisado pela necessidade de mudar de ares, mas sem comprometer a saúde com contatos com desconhecidos, o buyout se consagra como mais uma tendência forjada pela crise.

Na hotelaria, o termo em inglês é utilizado para sinalizar quando um único cliente fecha todas as UHs. No mundo empresarial, o jargão significa comprar uma empresa, ou parte dela. Mesmo antes da existência do coronavírus, o serviço que já era amplamente oferecido por empreendimentos de luxo de pequeno porte passou a ser uma solução tanto para hóspedes quanto para hotéis.

Hoteleiros têm a opção de vender o full buyout (hotel todo) ou partial buyout (apenas uma ala ou torre). Segundo Gabriela Otto, fundadora da GO Consultoria e presidente da HSMAI, empreendimentos com potencial para o buyout que ainda não oferecem o serviço devem considerar a possibilidade como uma alternativa para incremento de receita.

“Já deveriam estar mais do que preparados há muito tempo. Principalmente hotéis com inventário menor, e ainda mais aqueles de alto padrão, pois empresas que fazem o buyout vão priorizar marcas com posicionamento interessante”, pontua.

A prática do buyout também se caracteriza por ser realizado em hotéis localizados em destinos turísticos, sempre com foco no lazer. Ainda que com menor demanda, empresas também procuram esses empreendimentos para promover integrações, eventos e treinamentos.

“Para uma empresa, nada melhor que lançar um produto, noticiar uma aquisição ou anunciar de um IPO em um local exclusivo, seguro, com uma iluminação que remeta às cores da sua marca ou até seu logo na entrada. Qual empresa não quer exclusividade e personalização de serviços? Reiterando que não acredito ter sido descoberta na pandemia, mas ampliada. No segmento de luxo é uma prática comum”, avalia Gabriela.

buyout - gabriela otto

          Gabriela: hotéis que ainda não oferecem o serviço devem se apressar

Buyout como estratégia comercial

Tendência velha conhecida em outros países, os brasileiros começaram a olhar para o buyout com maior frequência desde o início da pandemia. Diante do esvaziamento das demandas, a prática funciona como uma aposta para engrossar os caixas prejudicados pelas restrições de viagens.

“O buyout é uma estratégia comercial. Portanto, como qualquer outra decisão, depende da negociação, posicionamento de marca, forecast do período, etc. Em tempos de pandemia, para garantir privacidade e maior segurança dos convidados (que podem até ser testados antes), a prática se tornou ainda mais valiosa. Mas vem também a exigência e expectativa de serviços personalizados. Sem dúvida um privilégio que vai exigir ‘entrega assertiva’, e que, portanto, deve ser precificado e negociado adequadamente”, ressalta Gabriela.

Em linhas gerais, a solução é praticada por hotéis de pequeno porte. Para empreendimentos maiores, a estratégia pode não ser a opção mais indicada. “Viável é. Decisão mais inteligente e lucrativa? Talvez não. Empreendimentos maiores geralmente trabalham com mix de segmentos que, combinados na proporção certa, oferecem o melhor faturamento para o período”.

No Brasil, o serviço já era disponibilizado por alguns hotéis de luxo como forma de oferecer uma hospedagem mais intimista e personalizada. É o caso do Kilombo Villas & Spa, localizado na Praia da Pipa (RN). Com 10 acomodações, o empreendimento reforçou seu marketing em cima do buyout com o estouro da pandemia.

“Sempre disponibilizamos o serviço pelo fato de termos poucas acomodações. Em sua maioria, são famílias e grupos de amigos que optam por reservar o hotel todo. Desde o início da pandemia, a mesma família de Pernambuco já realizou o buyout conosco três vezes, por exemplo. Também tivemos casamentos e um grupo de mindfullness de João Pessoa”, conta Eduardo Gilles, proprietário do empreendimento.

Outro exemplo clássico de hotel que aposta na estratégia é o Six Senses Botanique, no interior paulista. Mesmo após a chegada da bandeira, em fevereiro deste ano, a propriedade manteve o buyout em seus 20 quartos. “Funciona muito bem. Temos muitos eventos sociais que por conta da pandemia o escopo agora são casamentos com poucas pessoas. Fizemos três mini weddings e estamos com muitas propostas. Já temos outros dois buyouts fechados e outros quatro confirmados até o final do ano”, revela Renata Luque, diretora de Marketing e Vendas do Botanique.

Buyout - eduardo gilles

 Gilles: oferecer descontos é uma forma de fidelização

Precificação

É natural que os clientes esperem algum desconto ao reservar todos os quartos de um hotel. Para Gabriela, definir o tarifário e se realmente oferecer o serviço é viável, alguns cálculos precisam ser feitos. “Para aceitar qualquer tipo de buyout, é preciso fazer um cálculo de displacement (deslocamento), ou seja, simular o potencial de receita no forecast x grupo buyout. Não esqueça de considerar os custos, e analisar o lucro real de cada negócio. Outra análise importante é proteger sua receita nos dias anteriores e posteriores”.

No Casana Hotel, em Cruz (CE), empreendimento com sete suítes, o buyout é realizado com frequência. De acordo com Nelson Rato, diretor da propriedade, a reserva de todos os quartos é solicitada ao menos entre uma e duas vezes por mês. “Depois da pandemia, o serviço começou a ficar mais conhecido até se tornar moda. A maioria são clientes habitués que já conheciam o hotel e sabem como funciona”, diz.

O valor das tarifas do Casana varia dependendo da data desejada, com descontos que podem chegar a 10%. “Muitas pessoas famosas nos procuram em feriados, por exemplo. Como se trata de uma data que venderíamos todas as suítes, o preço é cheio. Se for em uma época mais fraca, existe a possibilidade do desconto. É importante lembrar que nossa tarifa não contempla apenas o quarto, mas toda a experiência que compõem a estada”, acrescenta Rato.

No caso do Kilombo, a redução dos valores fica entre 10% e 15%. “Oferecemos descontos pelo fechamento do hotel. Vale a pena, pois você recupera dias de baixa ocupação e ainda acaba fidelizando o cliente. É bom para os dois lados”, pontua Gilles.

Nascida na pandemia, a Casa Marambaia, em Petrópolis (RJ), conta com apenas oito quartos. Apesar de pouco tempo de operações, o empreendimento não trabalha com reduções de tarifário para quem reserva todas as acomodações. “Os valores são os mesmos, pois oferecemos um tratamento muito diferenciado. O buyout exige muito comprometimento da equipe e os clientes são muito mais exigentes. Os descontos não fazem parte da nossa política, a não ser em casos de períodos mais longos, entre quatro e sete dias”, afirma Emir Pena, porta-voz do hotel.

Na Serra da Mantiqueira, o Botanique não realiza o buyout em feriados e alta temporada. Dependendo do período, a tarifa flutua entre semana e finais de semana de acordo com as análises de forecast. “Os descontos podem chegar a 20% se for durante a semana ou datas de baixa ocupação”, explica Renata.

Uma das estratégias do buyout é aumentar as vendas em canais diretos. No Kilombo Villas, o serviço pode ser adquirido pelo site do empreendimento ou com agências de viagens. A alternativa faz parte também do planejamento comercial do Casana. “Não estamos em OTAs. Reservamos apenas em canais diretos ou em parceria com operadoras. Entretanto, em caso de negociação direta com o hotel, o hóspede pode conseguir algum desconto. Já com as agências, não”, salienta Rato.

buyout - casana

Casana oferece experiências 100% personalizadas

Personalização como a alma do negócio

Um dos principais pontos do buyout, quem sabe o mais importante, é a possibilidade de personalização da experiência. Seja de atividades wellness, entretenimento ou A&B (Alimentos & Bebidas), os empreendimentos oferecem a customização total da hospedagem.

“Temos uma oferta de restaurante, passeios, atividades e experiências. Entretanto, se o grupo desejar, podemos alterar a programação”, afirma Gilles. “Trabalhamos com 100% da equipe e personalizamos todo o atendimento”.

Na maioria das vezes, principalmente em tempos de pandemia, hóspedes que reservam todos os quartos tendem a ficar dentro da propriedade para aproveitar a estrutura. No Botanique, as agendas são montadas de acordo com o perfil dos grupos. “São pessoas que buscam momentos de interações e uma programação customizada gera ainda mais receita além da hospedagem. A personalização é a beleza da operação, que fica menos engessada. O piquenique, por exemplo, pode ser servido em diferentes áreas do hotel, os menus podem ser alterados e nosso chef desenha as refeições seguindo as preferências do cliente”, destaca Renata.

No casarão dos anos 40, a Casa Marambaia é cercada por mata nativa e promove o tão almejado contato com a natureza. Com atividades voltadas ao bem-estar e altamente focado em gastronomia, o hotel contempla programações como jantares na adega ou no jardim. “Oferecemos caminhadas, trilhas com guia, passeios de bicicleta e aulas de yoga. Temos três chefs para desenvolver menus personalizados e harmonizados. Nossa política é a de não impor nada ao hóspede e o retorno tem sido muito positivo”, avalia Pena.

Para reservar todas as suítes do Casana, é necessário planejamento e comprar com antecedência. Todos os finais de semana do empreendimento foram vendidos até janeiro de 2022 e a média de tempo recomendado para comprar o serviço é entre três e seis meses antecipados. “Estamos com o hotel fechado para o Natal e Réveillon. Muitos clientes querem marcar de última hora e estamos cheios. Julho já estamos com 97% de ocupação e agosto com 80%”, destaca o diretor.

Até o ano passado, o Casana não trabalhava com hospedagem pet friendly. Entretanto, com o aumento das demandas, o empreendimento mudou suas políticas internas. Com 50 colaboradores, o hotel dá a possibilidade dos hóspedes utilizarem a cozinha e desenvolverem seu próprio menu. “O buyout sempre será uma casa grande que você utiliza da sua forma. É uma satisfação promover essas experiências. Oferecemos um serviço personalizado em que os clientes se sentem acolhidos”, afirma Rato.

As tratativas de personalização do Casana começam antes da chegada do hóspede. O hotel envia um formulário de respostas rápidas para traçar o perfil do cliente, que também envia uma foto de cada integrante do grupo. “É uma prática para que os colaboradores decorem os rostos dos clientes. Perguntamos o destino de origem, meio de transporte, tamanho do calçado, preferências de welcome drink, restrições alimentares entre outros pontos”, salienta o executivo.

Para promover uma experiência customizada completa, o empreendimento cearense busca surpreender os hóspedes com trilhas sonoras no jantar com músicas de suas bandas preferidas, por exemplo. Como o destino é um ponto de prática de kitesurf, o Casana ainda procura o melhor instrutor do esporte de acordo com o nível de experiência do cliente.

“Também realizamos pesquisas nas redes sociais e no Google para saber mais sobre o hóspede ou o grupo. Não aceitamos pessoas de fora que não estejam hospedadas salvo exceções de no máximo dois convidados não hóspedes”, finaliza Rato.

(*) Crédito das fotos: Divulgação