Em sua jornada de trabalho, João Garcia vem tendo dificuldades cada vez mais evidentes na execução de tarefas diárias. Ele vem sentindo, de forma intensa, uma grande sensação de cansaço físico e mental, o que tem afetado diretamente sua produtividade. Esgotamento é uma palavra (e uma percepção) da qual Garcia não consegue mais fugir, o que vem causando também problemas na vida pessoal. Bem, o relato acima é fictício, mas não menos verdadeiro. Isso porque, infelizmente, a síndrome de Burnout está cada vez mais presente na vida de milhares de brasileiros.

Negócios que ficam sempre abertos, caso dos hotéis, têm rotinas normalmente desgastantes para seus colaboradores. Com a pandemia, muitas propriedades enxugaram seus times, aumentado ainda mais a carga de trabalho em alguns departamentos. Hoje, mais do que nunca, aquela única folga semanal virou o respiro salvador e essencial de muitos profissionais do setor. Diante disso, será que ocorrências da síndrome de Burnout estão acontecendo na hotelaria?

Essa é uma pergunta difícil de responder, até porque muitos profissionais (em todos os setores) têm dificuldades para identificar o problema. Mais ainda, quando percebem os sintomas relacionados à doença, invariavelmente temem perder o emprego ao relatar essa condição às lideranças, o que normalmente agrava o quadro emocional. Para ajudar hoteleiros a não só identificar esses indícios, bem como apontar caminhos para superá-la, o Hotelier News inicia hoje (9) uma série de reportagens sobre o Burnout.

A síndrome, por sinal, virou 2022 incluída na lista das doenças ocupacionais da OMS (Organização Mundial da Saúde), o que liga o alerta de muitas organizações. No texto em que justifica essa alteração, a entidade comenta que esse “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. No documento anterior, ela era considera ainda como um problema na saúde mental e um quadro psiquiátrico.

Sintomas 

De acordo com a ISMA-BR (International Stress Management Association), o Brasil é o segundo país com o maior número de pessoas afetadas pela síndrome de Burnout no mundo. Já a OMS, relata que somos a nação com a maior taxa de indivíduos que sofrem com ansiedade e o quinto em casos de depressão.

Segundo a entidade, algumas das principais causas desses distúrbios emocionais estão ligados a cobranças diárias no ambiente de trabalho, bem como o excesso de atividades para realizar e pressão psicológica, entre outras. A OMS ressalta ainda que nem todas as pessoas diagnosticadas possuem um quadro clínico grave, mas é preciso tomar cuidado, pois isso pode mudar rapidamente se a doença não for tratada com antecedência.

Diretor clínico do Instituto de Psiquiatria de UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Leonardo Lessa explica que a síndrome tem como principais sintomas o estresse crônico, a exaustão, a perda de energia, o esgotamento emocional e o negativismo.

Somados ou separados, esses sinais se reverberam no rendimento e na eficácia de cada profissional, comenta o psiquiatra. “Em alguns casos, chegamos a fazer avaliações do ambiente de trabalho ao qual os pacientes estão submetidos. Essas avaliações têm como objetivo identificar fatores que causam sofrimento, o que facilita o tratamento”, pontua Lessa, acrescentando que esse mapeamento não só ajuda no diagnóstico, mas também encoraja o trabalhador a expor sua situação.

Diagnóstico e tratamento

Lessa aponta ainda que é necessário que o trabalhador saiba reconhecer gatilhos emocionais que podem desencadear o transtorno. “Uma vez reconhecidos, a ideia é criar estratégias para diminuí-los. Isso precisa ser feito de uma maneira conjunta”, acrescenta.

O psiquiatra explica que o tratamento deve ser conduzido de forma multidisciplinar. “É importante também ressaltar que o tratamento não envolve apenas medicação. A abordagem psiquiátrica é apenas uma das dimensões do enfrentamento do quadro”, comenta. “Na psiquiatria, os diagnósticos são essencialmente clínicos. Uma vez constatado que o sofrimento tem relação com o trabalho, inicia-se o tratamento com psicoterapia, uso de medicamentos e atividades de relaxamento para auxiliar no controle dos sintomas”, revela.

Ainda de acordo com o profissional, em função da nova classificação da OMS, um atestado normalmente garante afastamento imediato de profissionais diagnosticados com a síndrome de Burnout. Agora, o apoio da empresa não pode parar aí, certo? Então, como recebê-lo na sua volta à rotina de trabalho?

O acolhimento a esses trabalhadores pode ser feito por meio de estratégias e programas de readaptação, como reavaliação das atividades, retorno gradual de carga horária e avaliação do processo de trabalho. “Com essas atitudes, as chances de o retorno ao trabalho ser bem-sucedido são muito maiores”, recomenda Lessa.

Responsabilização

Segundo o advogado trabalhista Emanuell Oliveira, as empresas podem ser responsabilizadas judicialmente em casos de colaboradores diagnosticados com a síndrome de Burnout. “Como se trata de doença ocupacional, é direito do trabalhador pleitear, na Justiça do Trabalho, a reparação aos danos morais e materiais causados. Cabe, inclusive, o requerimento de rescisão direta do contrato de trabalho em decorrência do tratamento sofrido pelo empregado, nos termos do art.483 da CLT”, explica.

“Já os danos morais ocorrem em razão da própria doença adquirida no trabalho, enquanto os danos materiais são oriundos de qualquer prejuízo financeiro decorrente da situação que o trabalhador tenha sofrido, envolvendo o custeio de medicamentos e tratamento psicoterápico”, afirma.

Segundo Oliveira, pesquisa realizada pelo médico do trabalho Marcos Henrique Mendanha informa que o dano moral médio nas ações que chegam ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) em razão da síndrome gira em torno de R$ 53.239,16. “Cabe ressaltar aqui que o valor é fixado de acordo com cada caso, que é avaliado individualmente”, complementa o advogado.

Oliveira destaca que, para responsabilizar a empresa judicialmente, o profissional deve seguir três passos: primeiro, atestar que existe malefício psíquico ao trabalhador. Segundo, comprovar que o dano à saúde mental ocorreu em decorrência do exercício de sua atividade profissional. Por fim, comprovar culpa empresarial, que é atestada quando estão presentes os dois primeiros requisitos.

Emanuell Oliveira - Pauta_Burnout

Advogado faz considerações acerca de responsabilização judicial

“Até 15 dias, o trabalhador continua recebendo seu salário pela empresa. Já se o período de afastamento for superior ele deverá ser encaminhado ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) com a devida emissão de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Assim, o colaborador conseguirá comprovar que adquiriu doença profissional à previdência e requerer auxílio doença acidentário”, explica.

“Em hipótese de a empresa se negar a emitir o CAT, o próprio trabalhador, o seu médico, a entidade sindical ou qualquer autoridade pública poderá fazer a comunicação virtualmente à previdência social”, finaliza.

Empresas devem criar ambiente saudável de trabalho

Ações como palestras e workshops sobre saúde mental também podem ajudar a criar uma cultura organizacional que respeite o espaço dos colaboradores. Com essas iniciativas, as empresas evitam o afastamento de funcionários, ajudam a manter uma cultura organizacional mais humana e também contribuem para a retenção de talentos.

(*) Crédito da capa: Elisa Ventur/Unsplash

(**) Crédito da foto: Reprodução/LinkedIn