É tempo de se reinventar. Enquanto é inegável que a hotelaria e o turismo em geral foram uns dos setores mais afetados pela pandemia da COVID-19, há muito a se aprender com a reviravolta causada. A reabertura iniciada no segundo semestre de 2020 aconteceu em meio a fatores um tanto o quanto díspares: de um lado, uma demanda forte por viagens e entretenimento; por outro, a crise financeira e as restrições sanitárias.

Com o remodelamento de hotéis turísticos e resorts, em especial nas áreas comuns, o setor teve uma retomada mediante a reabertura gradual e parcial de instalações de academia, spa e piscina, aumento de protocolos de limpeza a atenção às atividades infantis. Por sua vez, os hotéis de luxo e dedicados ao business ainda terão muito o que evoluir para chegar à uma retomada substancial.

Note-se, contudo, que não bastou a aquisição de equipamentos de mensuração de temperatura, eletrostáticos e tecnologias de luz ultravioleta ou higienização de nível hospitalar. Readaptações de pontos de encontros em lobbies, readequação dos restaurantes – com maior distância entre as mesas – e uma melhor oferta de room office – a fim de permitir que o hóspede possa continuar a trabalhar onde estiver – envolveram, por vezes, investimentos em infraestrutura e não só em reposição de estoque

Houve também a troca de itens de mobiliário, decorações e equipamentos (FF&E), que tiveram de ser substituídos por outros de mais fácil limpeza e maior resistência aos produtos de limpeza adotados para cumprimento das novas regras sanitários.

Em paralelo, com a queda do valor do RevPAR de 2019 e 2020 e o aumento de débitos trabalhistas pelo inadimplemento de despesas laborais (após o término das suspensões dos contratos de trabalho e reduções de jornada permitidas na Lei nº 14.020/2020), (re)investimentos tornaram-se obrigatórios.

Consequentemente, emergem novos conflitos em potencial, uma vez que não havendo reservas financeiras disponíveis, tornam-se obrigatórias chamadas de capital. Tema esse espinhoso, em especial quando envolvem empreendimentos condo-hoteleiros.

Note-se que, como se está falando de um momento em que geralmente o condo-hotel encontra-se em sua fase operacional, devemos distinguir a atuação da incorporadora e da operadora hoteleira perante os proprietários. Majoritariamente, os julgamentos mais recentes vêm reconhecendo que, enquanto as incorporadoras guardam responsabilidade como fornecedora do produto hotel, a operadora hoteleira frente ao proprietário é mais uma prejudicada por eventuais intemperes no negócio. Esse tem sido o entendimento de Tribunais de Justiça, como os dos Estados do Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo (vide APC n. 0316923-90.2017.8.24.0033, TJSC, 1ª CC, Relator Des. Saul Steil j. 26/11/2019. APC nº 0300068-10.2016.8.19.0001, TJRJ, 4ª CC, Relator Des. Maria Helena Pinto Machado, j. 12/02/2020. APC 1004269-89.2018.8.26.0566; Relator Des. Rodolfo Pellizari, j. 17/10/2019), muito embora o Superior Tribunal de Justiça já ter se pronunciado por vez que, quando o proprietário for um investidor ocasional, a relação entre este e a incorporadora deveria ser considerada como de consumo (vide STJ, 3ª Turma, REsp 1.785.802, j. 19/02/2019, Relator Ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva).

Não obstante, falta ainda maior enfrentamento e definição no tocante à chamada de capital em cenários negativos, como os vivenciados atualmente. Assim, é necessário que se responda como será a relação entre proprietários e a necessidade de equilíbrio dos condo-hotéis, durante a pandemia e quando tiver passado, uma vez que ainda será vivenciada acentuada queda no rendimento dos pools e do RevPAR nacional.

Enquanto essa resposta não chega, é imprescindível incentivar a continuidade da atividade do setor, mediante instrumentos de fomento, como incentivos fiscais, financiamentos ou renegociações com clientes. Textos legais como a Lei nº 14.046/2020 – conversão da Medida Provisória nº 948 -, que possibilitaram a remarcação de serviços, reservas e eventos adiados, ou a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na contratação de outros serviços são de grande importância. Por isso, sua ampliação ainda hoje deve ser incentivada pelos entes políticos.

Repare-se que essa indigência não ocorre apenas em território brasileiro. Uma pesquisa realizada pela American Hotel & Lodging Association verificou que 2/3 (dois terços) dos hotéis norte-americanos não conseguiram obter financiamentos e que 71% (setenta e um por cento) necessitou de auxílio governamental para continuar operando.

Conclui-se que é não pode faltar a consciência de que, se os hotéis são obrigados por força dos fatos a se modernizar e otimizar seus recursos, também as forças políticas devem avançar na estruturação de um arcabouço jurídico que auxilie e equacione, na prática, os deveres, as obrigações e os direitos envolvidos nas operações hoteleiras. Em prol do setor, é imprescindível que se faça um verdadeiro upgrade na visão sobre a hotelaria no Brasil, de modo que possam ser coadunados direitos individuais e com as necessidades do mercado.

Tal como nos edifícios dos hotéis, é tempo de retrofit no direito hoteleiro.

—-

*Ana Beatriz Barbosa Ponte é sócia do Perez & Barros Sociedade de Advogados. Masters of Laws pela New York University, Coordenadora da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e Membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.
Colaborou neste artigo Rodrigo de Mattos Silva Rodrigues, sócio do Perez & Barros Sociedade de Advogados, bacharel e com curso de extensão em Planejamento Sucessório pela UERJ.