Ana Beatriz Barbosa Ponte

Durante a Segunda Guerra Mundial, hotéis deram base à manutenção do luxo, para alguns mais afortunados, bem como foram adaptados para servir de leitos hospitalares, seja por contribuições voluntárias ou por solicitação estatal, com indenizações sendo estabelecidas conforme o caso e a legislação aplicável.  

A utilização de propriedades de maior porte para substituir leitos hospitalares só existia no imaginário dos brasileiros ao assistir a séries e filmes de época. Não obstante, agora torna-se realidade em face da instituição das diversas medidas de prevenção à propagação da Covid-19 e da necessidade de suprir carências decorrentes do estado de calamidade na saúde.  

Em meio a cancelamentos de contratos de transporte interestaduais e internacionais e à suspensão de atividades presenciais de bares e restaurantes nos grandes centros, hotéis se tornam opção para abrigar profissionais de saúde e enfermos de menor gravidade. Como exemplo, podemos citar as prefeituras de Curitiba (PR) e Criciúma (SC), que anunciaram a locação de quartos de hotéis para profissionais de saúde que residam com pessoas consideradas de risco. 

Para tais fins, os hotéis precisam ser vistoriados a fim de confirmar se preenchem os requisitos mínimos urbanísticos e regulatórios. As exigências para quartos de hospedagem temporárias são diversas das estadias de maior prazo. Por exemplo: a Lei Complementar nº 108/2010 da Cidade do Rio de Janeiro prevê que quartos de hotéis precisam ter um compartimento habitável e um banheiro, enquanto os de hotel-residência devem ter pelo menos dois compartimentos habitáveis, um banheiro e uma cozinha ou cozinha aberta, com área útil mínima de trinta metros quadrados). Por outro lado, a escolha dos hotéis para servirem como leitos e a adequação dos meios hospedagem também devem observar as exigências sanitárias aplicáveis (ex. condições de pisos que permitam limpeza nos parâmetros mínimos hospitalares). 

Em relação aos funcionários, devem ser observadas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), incluindo distâncias interpessoais, disponibilização de álcool em gel e de equipamentos de proteção individual (EPI).

Vale observar que, no Estado do Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei nº 8770/2020, autorizando a requisição administrativa de hotéis, pousadas, motéis e demais estabelecimentos de hospedagem, com intuito de viabilizar o cumprimento de quarentenas, isolamentos e tratamentos médicos não invasivos, enquanto perdurar o Plano de Contingência previsto na norma. Tal Lei prevê posterior indenização a ser estabelecida com base em tabela a ser divulgada pela Secretaria de Estado de Fazenda em conjunto com a Secretaria de Estado de Turismo. A propósito, a ABIH-RJ (Associação Brasileira da Indústria de e Hotéis do Rio de Janeiro) já havia reportado na última semana a expectativa de fechamento de diversos hotéis em vista da taxa de ocupação inferior a 10% e requerido que o governo conferisse preferência aos meios de hospedagem que não estivessem funcionamento.

Não obstante, restam ainda indefinidos os parâmetros das indenizações e o alcance das modificações e repercussões nos meios de hospedagem. 

A análise dos valores para justa indenização, observando os requisitos constitucionais, deverá considerar não só quaisquer exigências de adaptações para fazer frente às exigências urbanísticas e demais considerações de estruturação física, mas também danos a longo prazo que sejam gerados, como a necessidade de troca de mobiliário, instalações e equipamentos (FF&E).  

Assim, é importante que se considerem os danos caso a caso, visto que estes variarão conforme quantidade de pessoas hospedadas, extensão das adaptações para que os meios de hospedagem sejam convertidos em leitos para enfermos e a necessidade de reposição de ativos (como roupas de cama, cortinas, dentre outros). 

Note-se, entretanto, que não só os meios de hospedagem tradicionais têm necessidade de adaptação no período atual: a plataforma Airbnb já havia ampliado a Política de Causas de Força Maior para o coronavírus, permitindo o cancelamento sem custos ou penalidades.

Em relação às locações em geral, observamos que há um Projeto de Lei Federal nº 884/2020 que pretende suspender por noventa dias a cobrança de aluguel de pessoas físicas e jurídicas. Para os proprietários que tiverem patrimônio inferior a R$ 2,5 milhões declarado em Imposto de Renda, o projeto prevê que os custos seriam assumidos pelo governo federal. 
Para lojistas, um acordo entre a associações de lojistas e proprietários e administradores de shopping centers (ALSHOP e ABRASCE) previu a cobrança de aluguel proporcional aos dias de funcionamento em março, sendo os valores devidos tão somente quando da reabertura das lojas. A cobrança de encargos condominiais será reduzida, mantendo-se os custos de manutenção, limpeza, energia e conservação aplicáveis.

Outro Projeto de Lei Federal, o de nº 801/2020, prevê a anistia de contas de água, esgoto e energia elétrica para residências que consumam até vinte metros cúbicos de água por mês e até duzentos quilowatts/hora de gasto mensal de energia elétrica, também por noventa dias, ficando proibidos cortes durante o estado de calamidade pública nacional.

No estado do Rio de Janeiro, o pacote de medidas de contingenciamento do coronavírus incluiu ainda a vedação à interrupção de serviços essenciais por falta de pagamento e permitiu o parcelamento das contas após o período de contingenciamento da doença, implicando uma redução e suspensão substancial dos encargos locatícios no período.

Vê-se, então, que existem diversas perspectivas de alterações legislativas em face a pandemia, havendo necessidade de um acompanhamento contínuo que deverá considerar as leis estaduais e municipais do local de cada empreendimento.

Nesse meio tempo, sugere-se que sejam empreendidas negociações visando à redução de custos com um controle detalhado das despesas, bem como avaliações preventivas acerca de eventuais contingências trabalhistas decorrentes das adaptações rápidas exigidas. 

Em meio às incertezas, é preciso garantir um equilíbrio entre a necessidade de prover meios para enfrentamento da situação de calamidade e a de justa indenização e remuneração pelo uso de propriedade privada para proteção da economia. Desapropriando-se as diárias, é preciso garantir que a economia se mantenha.

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Ana Beatriz Barbosa Ponte é sócia do Perez & Barros, Masters of Laws pela New York University, Membro da Comissão de Hotelaria e Multipropriedade do IBRADIM e da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ.

(*) Crédito da foto: divulgação/Ana Beatriz Barbosa