Nosso ministro da Economia, sempre em tom otimista, já falou mais de uma vez que a recuperação da economia brasileira seria em V. Ou seja, ele prevê uma rápida recuperação da atividade econômica após a brusca e acelerada queda provocada pela pandemia. A projeção de Paulo Guedes, portanto, evitaria uma retomada no formato de outra consoante, em U, essa bem mais preocupante e, claro, demorada. Na hotelaria, os sinais de melhora são cada mais mais sólidos, o que têm se refletido na melhora dos indicadores das principais operadoras do país, como Atlantica, Nobile, Deville e Atrio, entre outras. Agora, podemos falar em recuperação em V como Guedes gosta de propalar? Na sessão Opinião de hoje (7), fizemos a indagação do título a Alexandre Gehlen, diretor geral e fundador da ICH Administração de Hotéis, para saber o que ele espera do ritmo de retomada do setor.


Para se afirmar se a retomada da hotelaria nacional será em V, é preciso observar atentamente a velocidade dos três momentos distintos do gráfico: a queda, o ponto de inflexão e a velocidade da recuperação. A hotelaria brasileira, como todos sabemos, até fevereiro de 2020, apontava um crescimento contínuo e sustentável, com a tal esperada recuperação tarifária após 2015. É claro que ainda não tínhamos atingido o patamar anterior à crise, mas as taxas de ocupação apresentavam crescimento em praticamente todas as capitais brasileiras com aumento gradual e contínuo das diárias médias em 2019.

O estudo Panorama da hotelaria brasileira de 2020, produzido pela HotelInvest em parceria com o FOHB, mostrava que havia 169 novos contratos de hotéis assinados, ratificando a aposta do mercado no turismo nacional, em especial dos investidores. No entanto, neste cenário com fundamentos econômicos sólidos, surgiu a pandemia. Medidas drásticas foram tomadas imediatamente e o turismo mundial, que observava igualmente expansão inédita, sofreu um duro golpe.

Em março de 2020, apenas 25% dos hotéis brasileiros seguiam operando, com taxas de ocupação mensais de um dígito. É sabido que um hotel com taxa de ocupação abaixo de 35% gera prejuízos. No caso da ICH, fechamos, no momento mais crítico da pandemia, praticamente todos os hotéis. Tal tomada de decisão levou em conta a nossa confortável situação de caixa naquele momento e a preocupação com a saúde de colaboradores e clientes. Com receitas próximas a zero, podemos dizer que o movimento agudo de queda de receitas na hotelaria nacional justifica parcialmente a curva V.

Empreendimentos com vocação corporativa vivenciaram de forma mais dramática os efeitos da pandemia, explicado pelo cancelamento dos eventos – grandes indutores de demanda – e substituição temporária das reuniões presenciais por encontros virtuais. Por outro lado, empreendimentos voltados para o lazer deram início a recuperação já no segundo semestre de 2020, graças ao conceito de anywhere office e o desejo das famílias de viajar, após duro período de confinamento.

A união dos diversos elos que compõem a cadeia do turismo e a implantação de rígidos protocolos de segurança trouxeram tranquilidade aos brasileiros para viajar. E, embora tenha havido um agravamento da pandemia no início de 2021, os números da hotelaria seguiam melhores que os do segundo semestre do ano anterior, confirmando que, neste primeiro semestre de 2021, saímos do ponto de inflexão.

Alexandre Gehlen - Opinião_recuperação em V

 

“Estudos internacionais buscaram identificar a correlação entre imunização e retomada da hotelaria. Notou-se que a primeira dose da vacina, no Hemisfério Norte, era responsável por crescimento de 20% nas viagens. O Brasil segue a mesma tendência.”

Alexandre Gehlen, diretor geral da ICH Administração de Hotéis

 

Estudos internacionais buscaram identificar a correlação entre imunização e retomada da hotelaria. Notou-se que a primeira dose da vacina, no Hemisfério Norte, era responsável por crescimento de 20% nas viagens. O Brasil segue a mesma tendência. Em muitas praças, as taxas de ocupação dos hotéis da ICH atingiram os níveis pré-pandêmicos, em outras recuperamos 80% da ocupação antes do advento da Covid-19. A curva em V tem chamado atenção, pois é exatamente como tem se comportado o mercado econômico chinês, pós-Covid.

Há que se considerar uma possível queda de até 30% nas viagens de negócios, como apontam alguns especialistas. Tais previsões não são unânimes, pois ainda se estuda efeitos negativos de reuniões virtuais, eficiência em negociações não presenciais e impacto na gestão de cultura organizacional e gestão de recursos humanos.

Há consenso na existência de forte demanda reprimida que pode acelerar a recuperação, o que justifica uma rapidez equivalente e funcional aquela da queda. Em outro estudo atualizado do FOHB se nota que, durante a pandemia, 44 novos contratos de hotéis foram assinados, com investimentos hoteleiros na ordem de R$ 6 bilhões no Brasil. De nosso lado, esperamos alcançar 50 hotéis em nosso portfólio neste período.

Hoteleiros brasileiros estão trabalhando com estruturas mais enxutas, otimização na gestão de custos e cuidado para não sacrificar tarifas. A tudo isso se soma uma recuperação mais acelerada nas viagens domésticas a partir de setembro de 2021. Acredito que este é um ano para resgatarmos as perdas do passado. Mas tudo leva a crer que 2022 já teremos nos recuperado do susto. Nesse sentido, é bem possível que a curva da hotelaria nacional seja V. V de vitoriosa.

(*) Crédito da capa: StockSnap/Pixabay

(**) Crédito da foto: Ricardo Lage/ICH Administração de Hotéis