Rio de Janeiro, Amazônia, Foz do Iguaçu (PR). Quando pensamos no Brasil, estes são alguns dos destinos que vêm à mente. Existe um roteiro já idealizado e exaustivamente divulgado lá fora e internamente, mas que não representa nem 1% do potencial turístico que temos por aqui. Em um momento de retomada no lazer, parece o cenário ideal para catalisar as riquezas do turismo sustentável do nosso país. Agora, pode onde começar?

Primeiro, vale ressaltar que sustentabilidade ganhou um peso relevante na tomada de decisão dos viajantes. Segundo pesquisa realizada pela Booking.com em abril deste ano, 90% dos brasileiros pretendem viajar de forma sustentável nos próximos meses. O estudo contou com a participação de 30 mil turistas em 31 países, com o Brasil em terceiro lugar entre as nações que consideram viagens sustentáveis importantes.

Pode parecer (e é) contraditório, mas um dos países que mais preza pelo turismo sustentável não cuida de seus recursos naturais, tampouco segue agendas políticas robustas de conversação de biomas. Segundo dados do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais), no primeiro trimestre de 2022, a Amazônia Legal registrou o maior número acumulado de alertas de desmatamento da história do monitoramento. O total chega a 941,34 quilômetros quadrados (km²), maior índice desde 2016.

Já uma análise da MapBiomas aponta que florestas cobrem cerca de 59,7% do território nacional. São 500 milhões de hectares de vegetação nativa, segundo o Serviço Florestal Brasileiro, com base em pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2018. Só a floresta amazônica responde por 334 milhões de hectares brasileiros, ou 5% da superfície terrestre.

Isso porque nem falamos sobre os 71 parques nacionais geridos pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), ainda pouquíssimos visitados por turistas se pensarmos no seu potencial. Enquanto a maior parte do território brasileiro possui uma vasta oferta natural de turismo, viajantes domésticos e internacionais continuam buscando os mesmos destinos de sempre, causando over tourism em determinadas épocas do ano.

A reportagem do Hotelier News ouviu atores das iniciativas pública e privada, ambientalistas e especialistas para entender como o Brasil pode explorar seu potencial natural, mas sem levar a degradação para outros pontos do país e, claro, incentivando o desenvolvimento sustentável.

turismo sustentável - vinicius de lucca

Potencial brasileiro é pouco explorado, diz De Lucca

Diversificando a rota

Nordeste no verão, Gramado no inverno. Alguns locais são figurinhas carimbadas no planejamento de viagens – e não por acaso. Destinos consolidados colhem os frutos de anos de trabalho de divulgação, mas, ao mesmo tempo, sofrem com o excesso de visitantes em suas respectivas altas temporadas. Para desafogar determinados pontos, secretarias de turismo buscam redefinir rotas e proporcionar estruturas adequadas para receber turistas.

“Florianópolis tem um atrativo principal há 50 anos que são as praias. Não é de se estranhar que, entre janeiro e fevereiro, recebamos até 40% do fluxo de turistas do ano todo. Com o passar do tempo e a sazonalidade, buscamos nos especializar em outros segmentos”, conta Vinicius De Lucca, superintendente de Turismo da capital catarinense. “Apesar de ser uma cidade de 500 mil habitantes, temos uma boa penetração em eventos e procuramos realizar ações com a comunidade para transformar atividades como a criação de ostras em produtos turísticos”, complementa.

De Lucca concorda que o Brasil possui amplo potencial turístico diverso, principalmente no que diz respeito ao ecoturismo, mas ainda oferece poucos produtos. Para o executivo, sensibilizar o empresariado para dar um passo adiante é um ponto fundamental, uma vez que é a iniciativa privada que injeta capital e gera renda para o segmento.

“Ajudamos de forma institucional, mas precisamos de players com bala na agulha para colocar os produtos na prateleira. Há anos que não realizamos campanhas para que os turistas venham na alta temporada, pois é uma época que se vende sozinha. Pedimos que os visitantes venham de março a novembro, já que a experiência é prejudicada pelo over tourism”, acrescenta De Lucca. “Temos mais de 100 trilhas que podem ser feitas o ano todo, mas que ficam mais tranquilas fora da temporada pela quantidade de pessoas”, acrescenta.

De acordo com o superintendente da pasta, o setor desenvolveu um pacote de ações para estimular o turismo de base comunitária em localidades rurais da capital catarinense, como a região de Ratones. Ao lado do Sebrae, a secretaria promoveu capacitações para empresas familiares como forma de elevar o atendimento ao público, o que resultou no desenvolvimento de uma demanda regional.

“Assim, buscamos sair do turismo de praia e mar, cirando produtos para o ano inteiro. Também estamos incentivando o turismo náutico por meio de chamadas públicas como forma de explorar passeios. Pela característica da ilha, temos uma questão importante de uso de território, em que muitas pessoas acabam invadindo as encostas e morros, afetando todo o ecossistema da cidade por falta de moradia, algo que vai muito além do turismo”, comenta De Lucca.

Vinicius Lummertz, secretário estadual de Turismo de São Paulo, revela que um plano diretor foi criado para direcionar os próximos passos da pasta. Batizado de Plano Turismo SP 20 30, o projeto é uma elaboração coletiva liderada pela Setur-SP com outros atores do setor. Seu principal objetivo é definir diretrizes, metas e mecanismos de controle que sejam capazes de transformar o estado em referência nacional e internacional.

O Plano Turismo SP 20 30 é pautado em uma nova concepção de atividades e produtos voltados ao setor, fundamentados por inovação, tecnologia, empreendedorismo, sustentabilidade, inclusão e diversidade. “Nosso plano de posicionamento do estado foi criado ainda no início da gestão. De forma geral, estamos transformando nossa forma de divulgar São Paulo, que sempre foi associado ao concreto e não à natureza. Temos muitas cidades com perfil cultural e histórico, além de parques que atendem à demanda do ecoturismo”, declara Lummertz.

Também em conjunto com o Sebrae, a Setur-SP vem capacitando empresas que atuam com turismo de natureza em 200 municípios, promovendo workshops e treinamentos. “Não adianta você contar com o ativo natural e não ter segurança para trabalhar. Também lançamos linhas de crédito para o segmento, que somam R$ 2 bilhões, para reduzir o impacto da pandemia”, afirma o secretário.

Como uma alternativa para despressurizar o turismo em algumas regiões, a Setur-SP vem desenhando distritos e rotas turísticas. A proposta é expandir o desenvolvimento para diversas regiões do estado, abrangendo municípios com potencial paisagístico, natural, arquitetônico, histórico e cultural. “Buscamos espalhar o turismo, desafogando algumas regiões como o Litoral Norte, por exemplo, discutindo incentivos e boas práticas”, explica Lummertz.

turismo sustentável - vinicius lummertz

Lummertz: SP busca descentralizar o turismo

Concessões: o poder da iniciativa privada

Em março deste ano, o Parque Nacional do Iguaçu foi concedido à iniciativa privada por R$ 375 milhões para o Consórcio Novo PNI. O projeto prevê investimentos de R$ 500 milhões em novas infraestruturas e outros R$ 3,6 bilhões na operação do ativo durante o período concedido, previsto para 30 anos.

Além de Iguaçu, o governo federal incluiu mais cinco parques nacionais no Programa Nacional de Desestatização. São eles: Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (RJ), Parque Nacional da Serra da Canastra e Parque Nacional da Serra do Cipó (MG), Parque Nacional de Caparaó (divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo) e a Floresta Nacional de Ipanema, em São Paulo.

O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) tem participado ativamente das concessões como parte de sua agenda ambiental. “Em 2020, o banco lançou um programa de concessão de unidades de conservação. Hoje, temos 54 parques federais, estaduais e municipais estruturados pelo BNDES, distribuídos em 15 estados. O Brasil foi considerado um dos países com maior atrativo natural do mundo pelo Fórum Econômico Mundial e somos o 34º em fluxo de visitantes. Há um grande potencial para agendas turísticas que podem alavancar o desenvolvimento econômico em regiões mais isoladas como âncoras de investimentos”, explica Pedro Bruno Barros de Souza, superintendente da Área de Governo e Relacionamento Institucional do BNDES.

O executivo conta que as concessões estão alinhadas ao DNA do banco, que atua em diferentes frentes de preservação ambiental com planos de manejo, respeitando o plano diretor que fomenta o turismo sustentável. “O Brasil tem 15 milhões de visitantes em seus parques naturais por ano, enquanto os EUA tem 300 milhões. É possível elevar esse fluxo com investimentos. Queremos que o turismo de aventura seja acessível para todos”, pontua Souza.

Além de Iguaçu, o BNDES prevê outros 15 leilões este ano, mas as projeções estão sujeitas a ajustes. O superintendente do banco aponta que as concessões são uma oportunidade para o setor hoteleiro investir, uma vez que as hospedagens ainda são um gargalo em unidades de conservação.

“Nosso trabalho é mais que uma curadoria, mas sim uma estruturação de projetos. O BNDES é contratado por um estado para ser apoiador de estudos de viabilidade, com a parceria com consultores. Avaliamos aspectos ambientais, vocação turística, demanda, engenharia, arquitetura, transporte e acesso. Esse pacote é validado por uma consultoria pública, que é a parcela mais interessada nessa agenda”, complementa Souza.

A concessão dos parques para a iniciativa privada não cumpre apenas um papel de desenvolvimento turístico, mas dialoga diretamente com questões ambientais. Visto que grande parte dessas unidades de conservação foi abandonada pelo poder público, empresas assumem a gestão respeitando algumas diretrizes. “O privado tem a obrigação de fazer investimentos e preservar a unidade. Os contratos possuem direitos e deveres que são medidos por indicadores. Se o concessionário não performa bem, ele perde dinheiro. Parte da receita gerada tem que ser investida na região do parque, com ações socioambientais, capacitação de mão de obra, fomento a atividade cultural e educação ambiental”, exemplifica o executivo.

emerson antonio

Concessões são bem-vindas, pontua Oliveira

A visão dos especialistas

Para Lummertz, houve uma desatenção histórica para o potencial dos parques naturais, não apenas no atendimento ao turista, mas no desenvolvimento da educação ambiental e científica. “Existem mais de 13 tipos de áreas de conservação que podem ser visitadas se bem planejado. E são produtos acessíveis que demandam apenas infraestrutura, pois a natureza, que é o mais importante, já está ali. Não se trata de construir uma porta para uma trilha, mas apresentar o histórico botânico, geológico, etc. O ecoturismo é um dos blocos que mais crescem e traz alto valor agregado para a sociedade, mas a iniciativa privada tem outras prioridades, muitas delas questionáveis”.

O secretário de Turismo de São Paulo ressalta ainda que existe uma discussão ideológica quanto aos direcionamentos de investimentos, resultado de um atraso fomentado pelo conservadorismo brasileiro. “É uma visão de baixo diálogo. Precisamos entender que, se não for sustentável, não é desenvolvimento. É apenas crescimento. Se faz necessário pensar em equações mais criativas de uso. Por exemplo, o único parque que possui um hotel em sua propriedade é Foz do Iguaçu. O ambiental é importante, mas o que sustenta tudo isso é o fator econômico.”

De Lucca reforça a fala de Lummertz e pontua que as concessões são portas abertas para promover novas experiências aos turistas. “O poder público tem que construir bases, mas quem traz experiência e qualidade é o setor privado. Muitos criticam o pagamento de acesso aos parques, mas são inúmeros os benefícios e melhorias para a comunidade, como geração de emprego e renda”, avalia.

Gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, Emerson Antonio de Oliveira afirma que as concessões são bem-vindas, desde que os critérios sejam respeitados de não exploração e arrecadação de recursos para a preservação das unidades de conservação. “É preciso destinar investimentos para proteção, com fiscalização, manejo correto da área e fomentar o entorno com empregos em vez de trazer mão de obra de fora. Vale ressaltar que nem todas as unidades têm potencial turístico, então parte da receita do turismo também precisa ser direcionada para proteção das outras que não tem”, acredita.

Segundo Oliveira, em 13 anos, considerando até 2019, o Brasil teve crescimento de 300% no número de visitantes em suas áreas protegidas federais, o que representa 15 milhões de turistas por mês. Do montante 75% estão concentrados em 10 unidades de conservação. Em um novo recorte, os parques da Tijuca, Iguaçu e Petrópolis são responsáveis por 45% da demanda. Das 334 unidades federais, somente 201 possuem plano de manejo.

“A legislação pede que o plano de manejo seja revisado a cada cinco anos com foco em proteção, visitação e estrutura. Isso evidencia que a implantação não é adequada, além de outros problemas de regularização de infraestrutura, trilhas não apropriadas e falta de fiscalização. O governo, de modo geral, precisa trabalhar efetivamente esses pontos e a legislação tem que ser aperfeiçoada”, diz o gerente da Fundação Grupo Boticário.

 jaqueline gil

Promoção precisa de propósito, destaca Jaqueline

Destino Brasil

No desenvolvimento do turismo sustentável, a promoção está entre os maiores desafios do setor. O Brasil tem se posicionado de forma controversa em relação a questões ambientais, motivadas por declarações do presidente Jair Bolsonaro e por casos envolvendo o Ministério do Meio Ambiente, em especial na gestão do ex-ministro Ricardo Salles.

CEO da Amplia Mundo, consultoria especializada em cenários futuros, inovação de negócios e sustentabilidade, Jaqueline Gil pontua que a promoção precisa estar conectada à revisão de políticas públicas nacionais e estratégias de desenvolvimento. “Caso contrário, corremos o risco de fomentar fake news. O consumidor está mais atento, antenado e as informações estão mais acessíveis e podem ser checadas. Não dá mais para desconsiderar esses fatores e que é necessário uma estratégia de turismo sustentável no país e não apenas ações isoladas de empresas e municípios.”

Neste aspecto, o Brasil precisa construir uma nova realidade interna, com um propósito maior, seja ele local, regional ou nacional. No contexto, o setor ainda falha na discussão sobre o que é o desenvolvimento do turismo de maneira sustentável, principalmente quando se trata de um país com tantas possibilidades.

“Quais agendas precisamos avançar? Esse questionamento vai muito além do discurso de uma promoção oficial para uma melhora real que tem que refletir no turismo. Podemos começar fortalecendo e valorizando nossas iniciativas mais sólidas, mas a divulgação pede coerência para captar turistas”, salienta Jaqueline.

Um passo inicial é a definição de uma proposta de valor, uma linha mestra condutora que direciona as ações seguintes em um plano de marketing bem estruturado. “O que vamos oferecer para esse turista? Parques nacionais são excelentes âncoras na linha de frente da promoção e muito bem-vindos no processo de conexão. E podemos ampliar isso com uma proposta de desenvolvimento sustentável em seus entornos. Movimentações da iniciativa privada, como as concessões, são benéficas, mas é preciso ter gestão em aspectos como reciclagem, apoio a cooperativas, uso de resíduos naturais e etc”, pondera a executiva.

No curto prazo, a CEO da Amplia Mundo afirma que existem atrasos em infraestrutura, maior atenção em relação às mudanças climáticas e biodiversidade. “Estamos discutindo esses assuntos muito pouco no turismo. Qualquer modelo maduro de desenvolvimento, a sustentabilidade e a economia são forças que se somam e o turismo é um meio de financiamento desse caminho. Faz-se necessário abrir novas frentes, descentralizar a demanda e trazer qualificação.”

Mateus José Alves, gerente de Projetos da Amplia Mundo, pontua que o consumidor tem um papel importante neste contexto. Uma vez que ele decide comprar, os valores sustentáveis precisam ser acessíveis, pois é um fator que vai determinar a escolha. “É o consumidor que vai ditar as iniciativas do privado, mas o empresariado também pode mudar o comportamento do cliente. Pequenas ações auxiliam nos hábitos do turista. Não é simples nem rápido, mas a educação do consumidor também demanda uma sensibilização de suas expectativas. É possível virar a chave na mentalidade das pessoas”.

(*) Crédito da capa: Amazônia230.org

(**) Crédito das fotos: Divulgação