Flavio AndradeFlávio Andrade
(fotos: Filip Calixto)

Flávio Andrade, hoje gerente geral do hotel Holiday Inn Parque Anhembi, em São Paulo, fala de suas experiências com orgulho. “Ingressei na hotelaria para custear minha faculdade. Entrei neste mercado motivado pela sobrevivência, queria pagar meus estudos, ajudar na minha casa e sobreviver bem”, afirma. Aos 55 anos, mora hoje no bairro do Mandaqui, zona Norte da capital paulista. Natural do Rio de Janeiro, se diz adaptado a São Paulo e frisa que não sente saudade da cidade natal, pois vai para lá a hora que quer.

Andrade gosta de adornos, usa uma pulseira dourada na mão direita e por mais apertada que a abotoadura de sua camisa esteja, o acessório sempre escapa, dando mais intensidade a sua fala gesticulada. Aparenta gostar de ser chamado pelo primeiro nome e subverte uma das regras primeiras do jornalismo, que sugere que os homens sejam tratados pelo sobrenome, pelo menos em textos escritos.

Flávio – como ele prefere – é um homem sereno, tem fala mansa, carregada pelos chiados típicos da população carioca, e salienta, sempre que possível, que uma de suas maiores qualidades é gostar de ensinar. “Um gestor deve ter prazer em ensinar. Tudo o que ele faz é lição para quem o vê, entendo que a melhor forma de chamar a atenção de alguém é orientando, ensinando”, teoriza.

A tese do executivo é confirmada por quem o rodeia. A reputação o precede e, antes mesmo de sua chegada, algumas considerações sobre o trato com sua equipe eram feitas. Algo sobre seu poder de persuasão e a respeito de sua facilidade em conduzir relacionamentos são os relatos de quem o vê e convive diariamente.

Tendo construído toda a sua carreira dentro do grupo IHG (InterContinental Hotels Group), o profissional nunca atuou por outra rede o que não quer dizer que sua trajetória tenha sido monótona. Em seu currículo passagens por unidades nos Estados Unidos, na República Dominicana, na Nicarágua e em mais um ou dois países da América Central saltam aos olhos e dão indícios de sua experiência.

Sobre suas incursões em outras nações o gerente elege os muitos aprendizados como a bagagem mais valiosa que trouxe. “Meu aprendizado na hotelaria sempre foi com estrangeiros e quando eu trabalhei lá fora aprendi muito”, diz entre um gole de café e outro. Para fugir da generalização e dos argumentos frágeis, o hoteleiro se vale de números e porcentagens para mensurar tudo que quer explicar; outra mania comum ao executivo é inserir itens e numerá-los para falar sobre os assuntos que a ele são introduzidos.

Questionado sobre seu modo de administrar, ele inicia: “Acho que o que mais me faz um profissional diferente é a forma com a qual eu trabalho as adversidades do negócio, e não sou eu quem digo e sim as pessoas que me conhecem, os clientes e etc. A maneira como cuido das pessoas, como capto as necessidades de inovação”. Faz uma pausa, e continua: “Não sou um gerente de escritório. Acredito muito em administrar caminhando dentro da operação. Você tem meia hora para entender os números, uma hora e meia para assinar papéis e ler e-mails e seis horas para cuidar do seu cliente e da empresa que está trabalhando”, conclui.

Graduado em Ciências Contábeis, o executivo tem métrica rígida em seus horários e dá a fórmula do sucesso para um gerente que quer ter êxito neste mercado. “O conhecimento das funções dentro da operação é muito importante. Você tem que conhecer o trabalho. Eu, se entro numa cozinha sento e falo com o chef sobre culinária, se entro na recepção falo com o gerente da recepção sobre números, probabilidades de crescimento, sobre tratamento com o cliente como fidelizá-lo; se vou na manutenção falo sobre como controlar a questão da temperatura da água, sobre como trabalhar na manutenção preventiva do seu setor. O gerente tem que entender um pouco de cada área para que o seu colaborador saiba que ele entende do assunto e assim tenha ainda mais respeito”.

Explicando em itens, este torcedor do Flamengo e fã da escola de samba Salgueiro resgata sua vivências e projeta os próximos passos falando ao Hôtelier News do início no Rio de Janeiro, das experiências internacionais, da passagem por posições como office boy e sobre o cargo de gerente geral do maior hotel de São Paulo.

Por Filip Calixto

Flavio Andrade

Hôtelier News: Como foi que o senhor entrou no ramo da hotelaria?
Flávio Andrade: Comecei no InterContinental Rio, na área de Housekeeping, que é a área de governança. A ideia foi trabalhar para pagar meus estudos. Eu já tinha o segundo grau e estava entrando para fazer o curso de ciência Contábeis. Trabalhava durante o dia e estudava a noite.

HN: Como se deu o desenvolvimento do senhor dentro do mercado?
Andrade: Na minha primeira função, como Housekeeping, passei uns quatro meses. Logo depois fui selecionado para entrar na área de contabilidade deste mesmo hotel, o InterContinental. Minha primeira função na área contábil foi a de office boy e logo depois fui promovido a auxiliar de contabilidade. Neste momento comecei a fazer alguns cursos, fiz treinamentos no setor Alimentos e Bebidas, de compra de materiais e com dois anos nesta área me selecionaram para fazer um curso de Hotelaria fora do Brasil, em Medellín, Colômbia. Era um curso programado pela FIU – Florida Internacional Univercity, que o IHG dava para os melhores funcionários. Fiz este processo e quando voltei para o Brasil, retornei chefiando a área de custos do mesmo empreendimento carioca. Neste local permaneci três anos e depois, passei para o setor operacional, como supervisor de bares, aí fui gerente da discoteca Papion – que fica dentro do hotel -, fui promovido a júnior assistente de Alimentos e Bebidas, a senior assistente de Alimentos e Bebidas e posteriormente transferido para gerente de Alimentos e Bebidas na unidade de Manágua, Nicarágua. Aí começa minha experiência internacional.

HN: Como se desenhou sua carreira fora do Brasil?
Andrade: Toda a minha carreira no exterior foi atuando no setor de Alimentos e Bebidas, como gerente ou assistente. Como disse, meu primeiro hotel fora do Brasil foi na Nicarágua, era um país em guerra, que passava por um momento bem conturbado. Lá passei cerca de três anos e depois fui transferido para o hotel InterContinental de Miami, nos Estados Unidos. Depois de quatro anos lá fui enviado para o hotel InterContinental de Santo Domingo, na República Dominicana, onde fiquei por dois anos. Após isto, tive uma passagem de quatro anos pelo Brasil, no hotel InterContinental de São Paulo, e voltei para Miami para abrir o Crowne Plaza, como diretor de Alimentos e Bebidas em Miami Beach, lá fiquei dois anos. Após isso, tive uma passagem por Aruba e voltei definitivamente ao Brasil.

Flavio Andrade

HN: Como foi o retorno do senhor ao mercado brasileiro?
Andrade: Voltei ao País para trabalhar no mesmo hotel em que havia começado, o InterContinental Rio, como assistente da gerência geral e encarregado de Alimentos e Bebidas. Fiquei um ano e meio e então assumi um hotel em lançamento, o Holiday Inn Salvador, na capital baiana. Colocamos a unidade no mercado e daí saí de lá três anos depois; e vim para o Holiday Inn Parque Anhembi, onde estou há quatro anos.

HN: Como foi sua chegada ao Holiday Inn Parque Anhembi?
Andrade: Na época, este era um hotel que tinha alguns problemas. Registrava média de ocupação de 30%; e hoje estamos com 50%. Diria que este crescimento é fruto de muita inovação. Inserimos o empreendimento no mercado, porque antes ele era conhecido como um hotel de feira, mas na verdade não é assim. Ele tem 20 salas, é ideal para congressos convenções, lazer, lazer esportivo, corporativo. Fica num local muito próximo ao centro da cidade. Existia um paradigma de que do outro lado do rio [Tietê, um dos rios que cortam a capital paulista, às margens do qual o meio de hospedagem está instalado]. Mas vimos que este paradigma está sendo quebrado, estão percebendo de que deste lado também existem qualidades.

Hoje, temos uma ocupação média anual de 52%. Mas é importante lembrar que é um hotel de 750 apartamentos. Quando estamos 50%, a cidade está 100%. O número de ofertas é grande e o inventário da cidade é menor, temos praticamente três empreendimentos em um aqui.

HN: O senhor tem duas passagens por hotéis dos Estados Unidos. Que lições tira destas experiências?
Andrade: Nos Estados Unidos me aperfeiçoei na língua, aprendi muito. Também aprendi muito sobre como gerir pessoas, hoje o que aplico na minha gestão administrativa é tudo o que aprendi quando trabalhava na Flórida.

Flavio Andrade

HN: Levando em conta sua vivência com trabalhadores de diversas nacionalidades, qual a principal diferença entre os colaboradores dos hotéis norte-americanos, dos hotéis brasileiros e dos hotéis da América Central?
Andrade: O brasileiro é muito bom, é muito criativo, mas ele precisa do reconhecimento. O americano quer ter regras fixas, precisa saber com exatidão a hora que chega a hora que sai, é mais regrado. E nos países do continente onde a língua espanhola é falada, as pessoas querem ser reconhecidas, são como brasileiros, mas têm mais necessidade de aprender, têm carência do aprendizado e são mais dependentes.

HN: Tendo passado por diversos departamentos dentro da hotelaria qual foi o que o senhor se identificou mais?
Andrade: Bom, eu te digo que tenho meu pé na área de Alimentos e Bebidas. Me criei neste departamento, então eu diria que minha parte hoteleira é 50% da área de Alimentos e Bebidas e 50% dividida para as outras áreas.

HN: Como vê a importância do setor de Alimentos e Bebidas para a condução do negócio hoteleiro?
Andrade: Tem muitos profissionais hoje que dizem que o setor de Alimentos e Bebidas dá prejuízo, ou que é uma área pouco importante frente a outros departamentos. Mas eu discordo. Acho que há que se entender que esta é uma área muito importante para que você possa ter um sucesso com a venda de seus apartamentos e para que você possa fixar seu hotel como ícone no mercado. Claro que a gente sabe que é um setor que traz uma média de 40% de lucro e que, frente ao lucro obtido com apartamentos – que tem cerca de 75% a 80% de lucro para o final do balanço -, ainda é pouco, mas se você tem um hotel que tem bons quartos e não tem área de Alimentos e Bebidas, você pode, numa concorrência, perder um grande evento por ter esta carência.

HN: O que pensa sobre a terceirização do departamento de A&B?
Andrade: Eu, sinceramente, não acredito em terceirização do departamento de Alimentos e Bebidas. Não acredito porque o compromisso do proprietário com o empreendimento não é o mesmo compromisso que alguém que irá atuar terceirizado neste setor tem com a unidade. É um serviço que tem que ser do hotel para que haja um vínculo, para que todos estejam trabalhando sob a mesma cultura e não ter uma cultura dentro da outra, podendo ser até contrária.

HN: Tendo trabalhado em diversos lugares do Brasil e do mundo, como enxerga a cidade e o mercado de hospitalidade existente em São Paulo?
Andrade: São Paulo é uma cidade completa e que foi bem adaptada ao turismo de negócios. É uma cidade que tem museus, teatros, grandes mercados, até mesmo parques, acho que é um município completo. Quanto ao inventário da cidade, devido ao boom imobiliário, hoje, me parece que não existem mais espaços para criar estabelecimentos hoteleiros. Mas acredito que isto é um ciclo, que passa, com o tempo.

HN: Como define o hóspede da capital paulista?
Andrade: O cliente desta cidade vem estritamente para negócios, mas também tem uma grande oportunidade para gastronomia. Sempre digo que diferencio São Paulo, do Rio e de Salvador pelo seguinte pensamento: o cliente de São Paulo pede um café e quer a nota fiscal do lado, o cliente do Rio pede um café e fica olhando as paisagens e o cliente de Salvador pede um café e admira o sorriso da baiana que vai servi-lo. São necessidades diferentes em momentos diferentes. Em São Paulo você chega de manhã, resolve assuntos extremamente complexos e no outro dia, de manhã, você pega o avião para voltar a sua cidade, aqui em São Paulo a coisa é mais dinâmica, e assim também é o cliente da hotelaria.

HN: Atuando hoje como gestor que atributos o senhor acredita que são essenciais a um gerente?
Andrade: Acho que as principais características são: gostar de trabalhar com pessoas e gostar de servi-las; saber administrar conflitos; saber delegar com constante follow up, pois tem gente que delega mas não dá follow up; e ter atenção nos detalhes.

Flavio Andrade

HN: O que são estes detalhes dentro da hotelaria?
Andrade: Na hotelaria esses detalhes são muitos. A forma de servir um prato, o olhar para quando você entra num quarto ver se algo não está funcionando, a atenção de quando você chega na recepção e não percebe o sorriso em quem está atendendo, o detalhe do comportamento do colaborador, da satisfação do cliente, de quando você vê que uma luz está queimada dentro do estabelecimento. Tem que ter o olhar clínico, o olhar 360º.

HN: Durante esta entrevista o senhor falou muito em inovação. Como define este conceito?
Andrade: Inovação é nunca estar acomodado, é estar sempre criando. Uma das coisas que deixa você desacomodado é trabalhar a diversidade das coisas, entender os tipos de cliente, acompanhar os mercado nacionais e internacionais e suas tendências.

HN: Proporcionalmente, como entende as importâncias de teoria e prática dentro do mercado da hotelaria?
Andrade: Acho que dentro da indústria hoteleira deve-se praticar e logo entrar numa escola de preparação técnica, para que possa, lá no final, conciliar os dois. Se você entrar apenas com a teoria, vai perceber que muito do que te passaram não está incluso na prática. Acredito muito na pessoa que está em uma faculdade e entra exercendo as funções de operação. Ele vai estudar isto, vai aprender na prática e quando chegar na posição de gestor vai ser um ótimo profissional pois aprendeu praticando, vivenciou os conflitos que podem existir neste meio.

HN: Que palavra ou que atributo enxerga como essencial na hotelaria?
Andrade: São duas diretrizes principais. A primeira é aprender a repetir. Repetir para que o ensinamento fique arraigado na pessoa. Quando você não sabe ou não gosta de repetir você está num lugar errado, porque sempre é necessário falar para um garçom ou para qualquer outro cargo sobre o posicionamento. E a segunda é instaurar uma cultura de comportamento dentro do hotel, uma filosofia que guie o atendimento e o comportamento de toda a equipe.

Não queremos que eles sejam especialistas em algum coisa, queremos que ela tenha vontade de aprender. Uma vez que a pessoas tenha vontade de aprender aí a outra parte fica conosco, mas a vontade é essencial.

HN: Que conselho ou orientação o senhor daria para os estudantes que ainda vêem a hotelaria como um futuro?
Andrade: Acho que as pessoas podem ter seu conhecimento teórico, que é aquele adquirido na faculdade, mas que deve-se investir, pelo menos de um a três anos, nas áreas básicas da hotelaria, como alimentos e bebidas, recepção, governança e eventos para que ele possa se formar um grande profissional. Este estudante tem que buscar experiências práticas, tem que aprender a respeitar os processos e ansiedades da profissão.

HN: O senhor construiu sua carreira toda dentro do grupo IHG. Como enxerga a companhia depois de tantos anos de trabalho?
Andrade: Hoje a IHG é uma companhia na qual eu me sinto muito lisonjeado de estar, pois é uma empresa que celebra as diferenças. É uma companhia com uma cultura muito firme e que tem a filosofia de privilegiar os que sabem, os que se preparam e os que podem dar resultados. Eu sou um dos líderes que viram de perto a cultura da empresa funcionar, qualquer um dentro da companhia pode exercer cargo de gerência, de executivo, basta estar preparado. A empresa dá oportunidade.

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