José Ruy Veloso Campos
(foto: divulgação/Camila Gutierrez)

Foi há dois anos.

Chegamos a um hotel, eu e dois colegas de trabalho, por volta das quatorze horas e quarenta minutos. Havia um bufê de almoço, e lá fomos nós. Mas não deu certo.

As saladas mal arrumadas, ralas, faltando produtos. Os pratos quentes ressecados, e nem o arroz salvava.

Perguntamos se havia um serviço de lanches e a garçonete insistiu se não queríamos nos servir no bufê. Explicamos que estava tudo muito ruim, sem condição de consumo. E a moça:

– É que fechamos às quinze horas. Faltam três minutos.

Fomos para uma lanchonete nas imediações.

Numa situação parecida, eu me encontrava com um consultor estadunidense que estava num flat, em São Paulo e pedimos sopas às 18 horas de um dia frio.

Depois de muita demora apareceu um gestor do restaurante dizendo que o garçom se equivocara e que a sopa, só depois das dezenove horas.

Pedimos outra coisa qualquer. E justo naquele momento passou por nossa mesa o chefe da recepção que, por alguma razão estava no restaurante.

Reconhecendo-o, o consultor o chamou e reclamou da incerteza do restaurante.

Cheio de sorrisos e num inglês impecável o rapaz nos disse:

– Lamentamos mesmo. Mas sabe, esse serviço é terceirizado. Não é do condomínio.

Claro, um leitor hoteleiro, observador atento da qualidade dos serviços vai dizer que esses fatos são eventos isolados, despreparo de pessoas e que não representam o melhor da hotelaria nacional. Não representam mesmo.

Mas são muito mais comuns do que se pode imaginar.

Afinal, qual é a linha divisória da qualidade e da realidade operacional de cada hotel, de cada restaurante?

A questão está na entrega, ou não, daquilo que é prometido.

Uma vez que o hotel anuncia que o seu almoço vai até às quinze horas, os pratos de seu bufê devem estar em boas condições na apresentação e na qualidade da comida.

Parece óbvio. Mas não é.

A boa gestão operacional implica exatamente na solução desse tipo de equação: qualidade versus custos.

Se a casa definiu o bufê como seu serviço de alimentação para o almoço (supõe-se que a demanda exija esse tipo de serviço, com maior rapidez, opções variadas etc.) esse deve ter boas condições até o horário anunciado. Como fazer isso é uma questão de atenção e procedimentos que evitem a síndrome de “bufê caído”, com o qual nos deparamos, eu e os colegas, nesse meu exemplo.

Mas, o que dizer da resposta daquele chefe de recepção informando que o restaurante era terceirizado? Infeliz, quase infantil.

Se o hotel terceiriza seus serviços, sabemos todos, isso é entre a empresa e seus contratados. Para o hóspede – cliente, consumidor – os serviços são prestados pelo hotel. E é do hotel que ele vai cobrar pela excelência.

Padrão de qualidade é algo que se consegue a partir de definição de políticas que, por sua vez, vêm a partir da missão, de diretrizes, estratégias etc.

Mas isso tudo não valerá nada se não houver uma reciclagem permanente, auditorias que confiram se os manuais de boas práticas estão sendo seguidos, executados.

Mesmo aqueles estabelecimentos que têm certificação de ISO 9001 estão sujeitos a essas situações. Isso porque a melhoria contínua do sistema de gestão da qualidade implica em medição e análise permanente do sistema implantado para garantir seus resultados.

Não é nosso propósito uma análise das normas técnicas e seu funcionamento. Sabemos que elas, uma vez bem aplicadas, funcionam.

A questão é como os hotéis encaram esse processo ao longo do tempo.

Entregar o que foi prometido é um princípio elementar de marketing.

Entre os pensamentos e diretrizes do saudoso Comandante Rolim Amaro, fundador da TAM, hoje LATAM, estavam alguns “mandamentos” salutares para o bom gerenciamento dos serviços:

  • O cliente é a razão da existência de nossa empresa;
  • O cliente NUNCA interrompe nosso trabalho, nós trabalhamos para ele;
  • O cliente e os serviços que prestamos são mais importantes do que a nossa empresa;
  • As exigências do cliente colaboram com nossa formação profissional;
  • Os clientes buscam na empresa a QUALIDADE, por mais simples que sejam as nossas tarefas;
  • Coloque-se na posição do cliente para entendê-lo melhor.

Não existem estratégias de marketing ou força de vendas que possam vencer a baixa qualidade oferecida na prestação de serviços.

Philip Kotler, o grande guru de marketing do século 20 e ainda o grande pilar acadêmico nos estudos da matéria, ensina que resgatar um cliente perdido é pelo menos três vezes mais caro – e difícil – do que conquistar um cliente novo.

Além disso, desde os anos 70 rezam os compêndios de marketing, que enquanto a boa informação e referência sobre os serviços se multiplicam por três, a má referência não tem limites na sua multiplicação.

Se era assim nos anos 70, como é hoje com as redes sociais?!

Os portais que vendem hotéis têm o espaço para as críticas. E é a informação procurada pelo comprador depois de pesquisar as fotos das instalações, a localização e o preço do hotel.

Um amigo do mercado hoteleiro me diz que as críticas nesses portais nem sempre procedem. E cita o caso de brasileiros que se hospedam em hotéis nos Estados Unidos e criticam o desjejum oferecido que, além de cobrado, seria pobre em produtos.

A verdade é, diz o meu amigo, que desconhecem o modelo estadunidense de desjejum que é simples, com três ou quatro tipos de pão, suco, um pedaço de fruta, dois tipos de café, leite e suco de laranja.

A queixa ali registrada, e que será lida e considerada pelos próximos viajantes, é, portanto, enganosa.

Mas está lá.

O fato é que, com manuais ou não, os gestores têm que ficar ainda mais atentos com a qualidade dos serviços. É sempre possível evitar observações pouco recomendadas como essas de meus exemplos acima.

É sempre possível evitar que os bufês ou os pratos pedidos à carta tenham mau aspecto ou gosto ruim.

O cliente insatisfeito, com certeza, fará correr mundo a sua má avaliação.

Advogo que a leitura de alguns capítulos da grande bíblia do marketing, o Princípios de Marketing do Kotler e dos “mandamentos” do saudoso Comandante Rolim podem trazer para os gestores operacionais dos hotéis e restaurantes uma pequena, mas profícua, luz sobre sua atenção com aquilo que é prometido/vendido e o que é de fato entregue ao seu hóspede/comensal.

* José Ruy Veloso Campos é mestre em Comunicação e Turismo pela ECA/USP, Especialista em Gestão Educacional pela UNICAMP, graduação em Letras pela Universidade S Francisco, Marketing Hoteleiro pelo Centro Internacional de Glion.

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