José Eduardo Simões dos Santos, gerente geral da Pousada Saha
(fotos: arquivo pessoal)
 
Se já é desafiador falar com um gerente geral de hotel durante as semanas normais, imagine em datas que, teoricamente, os meios de hospedagem estão repletos de hóspedes, ansiando pela atenção e pelo atendimento exclusivo. Detalhe que, segundo os pensadores do setor, é o que pode fazer a diferença num nicho de mercado de competição contínua.
 
Sem esmorecer e à sua maneira, o Hôtelier News encarou a peleja, às vésperas da data cristã mais comemorada e disputada em todos os anos – o Natal – e foi ouvir José Eduardo Simões dos Santos, gerente geral da Pousada Saha, em Campos do Jordão, situada no alto da serra paulista. A despeito dos contratempos e desencontros, o executivo falou sobre carreira, experiências, impressões, vida acadêmica, opiniões, aprendizado e agruras.
Vencedor do Prêmio VIHP – Very Important Hotel Professoal no ano de 2010, na categoria Gerência Geral de Pousadas, o gerente geral começou sua trajetória vendendo bolsas, numa loja de shopping, mas sempre soube o que quis: trabalhar com pessoas, ou com relacionamento, como prefere dizer.
 
Solteiro, graduado em hotelaria pelo Senac-SP, pós-graduado em Administração de Empresas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), iniciou sua carreira no metiê de hospitalidade pela recepção, atuando em redes internacionais, daí o primeiro contato com novos idiomas. Atualmente, é fluente em três línguas – espanhola, inglesa e portuguesa.
 
Entre compromissos de trabalho e da vida acadêmca, o executivo encontrou tempo e oportunidade para incursionar pela Inglaterra, investindo em experiências complementares às já vividas anteriormente. No exterior, construiu teses sobre as diferenças da hotelaria e das relações de trabalho travadas por brasileiros e europeus.
 
Em suas teorias, a praticidade nas ações cotidianas e a simplicidade nas relações de trabalho são os pontos fortes dos europeus; a favor dos brasileiros pesa a afetividade e a simpatia ao receber os clientes. Para superar os desafios atuais, o hoteleiro alega reunir o que aprendeu de melhor em cada passagem para coseguir resultados positivos.
 
Homem de palavras sucintas, Santos responde apenas o que lhe perguntam, sem oferecer detalhes adicionais. Objetivo, diz o necessário. Nada além.
 
Como parte da série de reportagens sobre profissionais da hotelaria, José Eduardo Simões dos Santos pormenorizou, entre outros detalhes, seu apreço pela tecnologia e de como ela pode ser aplicada ao cotidiano da indústria da hospitalidade.
Por Filip Calixto com colaboração de Márcio Moraes

 

Hôtelier News: Um dos investimentos na sua trajetória profissional foi um curso realizado em Oxford em Hospitality. De que forma a experiência internacional contribui para sua carreira e quais aspectos você assinala que diferencia a formação internacional da nacional?
Eduardo Simões: Sempre tive interesse em ter experiência internacional, e este curso permitiu meu aperfeiçoamento acadêmico e profissional, uma vez que parte dela era composta pelo trabalho num empreendimento hoteleiro. Durante o período do curso, pude conhecer uma nova cultura e principalmente detectar os pontos fortes e fracos da hotelaria no Brasil. Sem dúvida alguma, somos muito mais receptivos e dedicados ao serviço. Por outro lado, a praticidade inglesa não é encontrada aqui. Acredito que a vivência internacional contribuiu para meu crescimento como pessoa e como profissional, fez com que eu ampliasse meu campo de visão.
 
A minha formação em Oxford me mostrou um foco completamente diferente da que possuo no Senac/SP. Na minha graduação, os focos sempre foram o serviço e a gestão hoteleira. Como no Brasil existe esta maior preocupação com o serviços, aprendi a importância de uma relação com o cliente, no desejo do cliente. Já na Inglaterra, fiz um curso de especialização e mais específico, o foco dado foi em processos e legislação, chegando próximo a um método de normatização. Estas diferenças me permitiram um complemento de visões, e isso foi possível devido à diferença de relevância dada em cada país. Sem dúvida, a maior vantagem em se estudar fora, além da vivência e experiência, é esta mudança de perspectiva.

HN: Em formação acadêmica você escolheu o curso de bacharelado em Hotelaria, numa época em que os cursos de tecnologia avançavam no Brasil. Analisando hoje, quais foram os pontos fortes do curso que fizeram dessa uma escolha certa?
Simões: Ingressei na segunda turma do bacharelado em Hotelaria do Senac/SP, era um curso muito recente frente ao Tecnólogo em Hotelaria, porém com uma proposta diferenciada. O objetivo maior do bacharelado era uma maior formação acadêmica e administrativa, nossas disciplinas se aproximavam muito mais da administração.

 
Num primeiro momento, não pareceu ter sido a escolha mais acertada, porém, com os anos de experiência e com a ascensão profissional, a decisão mostrou-se correta. Passei a notar que na gestão administrativa e financeira o bacharel acabava sendo mais desenvolto na maioria dos casos. Inclusive durante a minha pós-graduação, pela FGV, percebi um melhor desempenho em matérias relacionadas à administração – em relação a colegas com outras formações. Porém, acredito na coexistência dos dois cursos, dependendo do foco que se deseja. O tecnólogo possui a vantagem de terminar a graduação antes e assim poder decidir por uma especialização que complemente sua formação hoteleira.
 

José Eduardo Simões dos Santos foi o vencedor

do Prêmio VIHP 2010 na categoria Gerência
Geral de Pousadas
(foto: arquivo HN)

 
HN: Na sua trajetória profissional, você teve contato com três tipos de sistemas informatizados de gestão hoteleira. Atualmente, administra, inclusive, uma pousada atendida por um desses programas. Quais orientações daria a um gestor que esteja interessado em adquirir um sistema de gestão que atenda às necessidades de uma pousada? 
Simões: Durante a minha trajetória tive a oportunidade de trabalhar com três sistemas, entre eles os dois líderes de mercado. Sou muito interessado em tecnologia e, por isso, tenho facilidade na área. Além de gostar, percebo sua extrema importância na gestão de um empreendimento hoteleiro. Minha experiência passa por hotéis pequenos e grandes, de lazer e de negócios, o que me permite compreender um pouco mais sobre as respectivas necessidades de cada tipo de meio de hospedagem. Atualmente, não é concebível que um meio de hospedagem, independentemente do tipo ou tamanho, não possua sistema informatizado, pois temos desde versões gratuitas a outras com alto grau de complexidade.
 
Muitas pousadas não possuem opção alguma, trabalham como era apresentado na faculdade – com um rack antigo e empoeirado. Os gestores destes meios em geral acreditam que a informatização é complicada demais para uma mão de obra menos qualificada que a dos grandes meios de hospedagem. Porém, esta é uma ideia equivocada, temos à disposição uma tecnologia de fácil acesso, em um mundo que é cada vez mais digital, onde as pessoas utilizam o Facebook mesmo sem terem tido um único curso sobre o assunto ou lido uma página de manual sequer. Sem dúvida é uma decisão importante de ser tomada na fase inicial do empreendimento, pois a troca de um modelo para outro é muito mais trabalhosa e dolorosa que uma implantação inicial. Sugiro que o primeiro passo a ser tomado é decidir qual será o papel do sistema, o que se espera dele para então decidir a melhor opção.
 
As grandes fornecedoras geralmente possuem um pacote fechado, que muitas vezes são excessivos e custosos para uma pousada. Contudo, já vi muitas opções para pousadas, quer vão de versões modulares de sistema a outras simples e completamente on-line, todas com custos acessíveis e retorno mais do que garantido. Sugiro sempre uma opção que não seja 100% on-line, pois no Brasil nossa conexão de internet não é totalmente confiável e sua velocidade não ajuda na agilidade necessária. Vale lembrar que o sistema funciona bem quando ele é alimentado corretamente e só assim poderá fornecer informações que são vitais à administração e como apoio a decisões.

HN: São dois idiomas, Inglês e Espanhol, além do Português, os que você apresenta facilidades na comunicação. Quais foram os caminhos para adquirir tal habilidade?

Simões: Os dois idiomas aprendi em escolas específicas. Como sempre gostei muito de música, utilizei-as como meio de aperfeiçoar meus ouvidos aos dois idiomas e assim passei a entender as línguas. Cursei uma escola de inglês na qual o foco era exclusivo em conversação, desta maneira atingi um nível suficiente para o trabalho em hotelaria, que foi aperfeiçoado após começar a trabalhar em um hotel de grande porte. Lá atendia diversas tripulações, pude praticá-lo diariamente e consequentemente fixar melhor os dois idiomas. Minha dica é ter uma vivência internacional em um país com outro idioma, não existe forma melhor de se aperfeiçoar. Durante o período que passei em Oxford, meu inglês foi lapidado. Para praticar até hoje leio livros, assisto a vídeos e filmes em inglês. 
 
HN: Por muito tempo você investiu na carreira da hotelaria de grandes hotéis. Desde 2008 atua como gerente de pousada, quais foram os principais desafios nessa mudança de segmento?
Simões: Não compartilho a ideia de não continuidade na carreira, muitas vezes criamos e cultivamos paradigmas e acredito que este seja mais um. Durante a faculdade quase sempre fomos instigados a buscar as grandes redes de hotelaria e passamos a acreditar que somente isso seria bom. Trabalhei por cinco anos no grupo Accor, em São Paulo, até que veio a possibilidade de crescimento no Grande Hotel do Senac e hoje estou na Saha.
 
Posso dizer que sempre busquei desafios na minha carreira, sempre quis conhecer novos mercados e assim o fiz. Já trabalhei em hotel de negócios e lazer, pequeno e grande, no Brasil e no exterior, e hoje estou em uma pousada. Descobri que em pousadas temos exatamente os mesmo problemas e oportunidades que [teríamos] em um hotel, a diferença é apenas conceitual. Com a nova classificação hoteleira isso deve diminuir um pouco, uma vez que irá incluir cama e café – que é outro conceito.
 
Conheci pousadas com estruturas mais complexas que pequenos hotéis e muitas vezes investimentos maiores que muitos hotéis econômicos, isso passa inclusive pela remuneração que muitas vezes supera a de alguns empreendimentos hoteleiros. Na verdade, o maior desafio foi quebrar esta ideia, que eu mesmo possuía, e depois foi ter de desenvolver uma visão generalista. Em estruturas com menor segmentação de cargos você tem de fazer um pouco de tudo, o que torna o profissional ainda mais versátil. Tive de aprender muitas atividades novas e isso me enriqueceu como pessoa e principalmente como profissional, digamos que hoje entendo até um pouco de engenharia. 
 
HN: Essa experiência também se favoreceu com a vivência da implantação da pousada em Campos do Jordão. Uma das principais dificuldades nesses momentos é a escassez de mão de obra qualificada e na quantidade necessária num curto prazo. O fato de a cidade abrigar cursos profissionalizantes e uma grande oferta de hotéis e pousadas facilitou essa questão?
Simões: Sem dúvidas o maior desafio até hoje é a mão de obra. Acredito que todos os setores de serviços estão vivendo esta dificuldade, seja em uma lanchonete do cinema ou em um hotel, devido ao crescimento que estamos vivendo no Brasil – mesmo com os indicadores demonstrando uma freada atualmente. O fato de a cidade abrigar estes cursos facilita, assim como ser uma cidade turística. Ainda assim existe aqui uma carência de cursos básicos, como camareiras, recepcionistas, manutencionistas, entre outros, que formam a base da hotelaria.
 
Na cidade os cursos oferecidos visam formar profissionais de chefia em diante. Por outro lado, fizemos a nossa parte e contratamos uma empresa especializada em consultoria – Observare -, que nos auxilia a ministrar treinamentos e desenvolver um guia de procedimentos. Além de implantarmos também um sistema de clientes ocultos e ligações ocultas para mantermos a nossa equipe mais bem preparada.
 
 
HN: Também foi essa sua primeira experiência em gestão de empreendimento, além de fazer a implantação, houve a necessidade de mudança de administradora. Qual metodologia  utilizou para manter o grupo coeso, os clientes satisfeitos e os investidores atendidos em suas expectativas?
Simões: Realmente, passamos por um momento de transição muito importante para o empreendimento – que foi a mudança de uma administradora hoteleira para uma administração totalmente independente. Esta mudança teve um foco mais administrativo do que conceitual, o que acabou não implicando diretamente na satisfação dos hóspedes.
 
Em relação à equipe, sempre fui muito claro e objetivo, mostrei que a nossa melhor estratégia era a união de todos para demonstrar que éramos capazes e tínhamos totais condições de continuar nosso trabalho na Saha. Eles se superaram e não fizemos nenhum corte.
 
Já o investidor, sem dúvida, foi o mais complexo. Este último possuía a confiança da mudança junto com a insegurança do sucesso, foi um trabalho difícil de superação. Naquele momento utilizei e adquiri conhecimentos, primordialmente financeiros, para conseguir atingir os resultados desejados com a mudança e principalmente continuarmos um desenvolvimento sólido do produto – conforme planejamos no momento da troca de administração.
 
Hoje posso dizer que estamos satisfeitos com os resultados obtidos e com confiança nos resultados futuros.
 
HN: Uma outra característica na administração de pousada é assumir diversos setores como único gestor, sem haver gerentes intermediários. Qual foi a estratégia adotada para assumir a posição de gerente com conhecimento generalista?
Simões: O conhecimento generalista, sem dúvida alguma, é o maior aprendizado que somei nesta experiência. Iniciei meus trabalhos ainda no final da obra, o que possibilitou minha ampliação de conhecimentos em obras e manutenção. Quando iniciou a operação, a área Administrativa era responsabilidade da administradora, o que me permitiu um foco maior nos serviços neste primeiro momento. Porém, veio o momento da mudança e tive de buscar na leitura, nas experiências de colegas, na aproximação ao Convention Bureau e, principalmente, nos estudos o meu aperfeiçoamento administrativo. [Nesse período] Iniciei meu curso de pós-graduação em Administração de Empresas na FGV e aproveitei para utilizar os conhecimentos adquiridos na sala de aula dentro da pousada. Considero os estudos, o networking e a leitura as minhas principais ferramentas para conseguir este conhecimento generalista.
 
HN: Na pousada você teve que assumir as gerências financeira, administrativa e também de manutenção – disciplinas que não estão contempladas como domínio em seu histórico profissional. Houve uma necessidade de aprendizado e de adaptação e, nesses casos, quais ferramentas você utiliza para suprir a demanda de atividades desses setores?
Simões: A primeira necessidade de aprendizado e adaptação foi parar de pensar exclusivamente em hotel como serviço, foi entender tudo o que existia de administrativo no negócio. Quando passei a entender melhor que o principal investimento em um hotel é o imobiliário, facilitou muito meu desenvolvimento. Minha curiosidade fez com que o resto fosse mais fácil, passei a buscar o conhecimento necessário por meio de leituras, vídeos, amigos, colegas de trabalho e até com os investidores, para poder assim identificar as melhores ferramentas e as mais atuais em cada departamento, como marketing, comercial, financeiro e manutenção.
 
Acredito que pelo fato de não ter tido esta experiência anteriormente pude abrir mais meu campo de visão e buscar o que realmente me interessava na Saha. Em uma próxima experiência utilizarei da mesma metodologia para poder buscar o que há de melhor para determinado desafio.
 
HN: Na sua passagem pela Inglaterra você optou por realizar cross training nos setores de governança, restaurante, bar e cozinha. Por sinal recebeu o prêmio de funcionário do mês e campeão em serviços no hotel. Quais foram os requisitos para seleção dos premiados e de que forma essa experiência lhe incentivou?
Simões: A premiação ocorre mensalmente em duas fases. Primeiro existe no refeitório dos funcionários uma caixa em que os próprios colaboradores podem indicar uns aos outros com justificativas detalhadas das razões da indicação. E há um segundo momento, quando ocorre uma avaliação dos gestores e a eleição de um funcionário do mês. O eleito recebe uma premiação em dinheiro, é colocada a foto em um quadro na entrada do hotel, recebe um champanhe e um certificado.
 
Esta experiência teve um valor marcante por ser principalmente fundamentada na opinião dos colegas de trabalho – e não exclusivamente na visão da gerência. Outro fator que foi marcante é o fato de ter conquistado este prêmio com tão pouco tempo de trabalho e com tantos votos, o dinheiro e o restante foi secundário. Percebi que o fato de buscar ajudar os demais colegas e focar o atendimento ao cliente é um ato valorizado como deve ser, os comentários em geral apontavam esta característica de colaboração. Atualmente busco cultivar este espírito colaborativo em minha equipe.
 
HN: Como dissemos anteriormente, você sempre atuou no mercado especificamente hoteleiro. Por sinal, em empreendimentos de grande porte, de categoria elevada e em marcas com grande reconhecimento nos mercados nacional e internacional. Considera hoje que teve retorno dos investimentos realizados na carreira? 
Simões: Sim, tive o retorno pois sou feliz no que faço. Lendo diversas biografias percebi que o retorno de qualquer carreira bem sucedida é a satisfação com o que se faz – e isso eu tenho. Quando penso em questões acadêmicas também acredito no retorno do investimento, me facilitou muito o caminho a ser percorrido não só pelo estudo em sala de aula, mas muito pelo networking criado no ambiente educacional.
 
Sobre a carreira profissional, costumo citar o que cada empreendimento me acrescentou e sem dúvida todos me acrescentaram. Como busco no futuro uma posição de consultoria, a diversificação de categorias, marcas, tamanhos e locais me ensinaram demais. Tudo passa pelo foco que você deseja dar à sua carreira e à sua vida, a partir do momento em que você encontra onde você quer chegar tudo fica mais fácil e o retorno passa a ser garantido. Como dica deixo o segmento de pousadas, que vem crescendo muito e cada vez mais profissionalizado. Basta verificar que no ano em que concorri [a oportunidade de gerência na pousada] todos [os candidatos] tinham no mínimo a graduação. Quanto à remuneração, compete com os hotéis em páreo de igualdade, além de possuir muita capacidade de expansão e profissionalização.
 
HN: Quais serão os próximos investimentos na carreira?
Simões: Planejo fazer um MBA ou mestrado em breve para aperfeiçoar meus conhecimentos em finanças e controladoria, além de sempre buscar atualizações diretamente ligadas ao mercado hoteleiro. Nunca podemos parar de aprender, esta tem sido minha maior lição durante a carreira, seja por intermédio dos meios convencionais – como livros e estudos acadêmicos – ou por meio de desafios e experiências profissionais e de vida.
 
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