João Bueno
(foto: arquivo pessoal)

Está em tramitação no Congresso Nacional Projeto de Lei identificado pelo nº 7337/2014, de autoria de um Deputado do Estado de Pernambuco, Zacarias Vilharba, que "Proíbe o desconto de quaisquer valores referentes ao cancelamento de reserva em estabelecimentos hoteleiros e similares”. Sucintamente, o Projeto de Lei estabelece que todas as reservas poderão ser canceladas até 72 horas de antecedência, ou três dias da data da entrada do hóspede, sem a cobrança de nenhuma penalidade pelo cancelamento, que poderá ser feito sob qualquer alegação. Nos casos em que houve o pagamento do valor total ou sinal, o valor deverá ser integralmente devolvido, no prazo de 48 horas após a confirmação do cancelamento, sujeitando os estabelecimentos que não obedeceram tal determinação às penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Como arrazoado para a propositura do citado Projeto de Lei, seu Deputado Autor apregoa que "o estabelecimento hoteleiro, mesmo quando cobra uma multa pelo cancelamento, não deixa de alugar o espaço vago para outro cliente, incorrendo, de certa forma, a um enriquecimento sem causa". Além de valer-se de mecanismos já contidos na LEI GERAL DO TURISMO e sua regulamentação para propor tal Regulação.

Pela simplicidade do texto propondo a medida, observamos que esta, se aprovada trará mais dúvidas do que melhorias para a relação de consumo entre os estabelecimentos hoteleiros e seus clientes, podendo inclusive trazer prejuízos para ambos. A análise não pode ser feita apenas com foco em Instrumentos de Defesa do Consumidor, e sim sob a ótica de toda a complexidade da atividade hoteleira e suas características.

Hoje, já temos instituído no mercado brasileiro, seguindo os padrões internacionais, as regras alusivas as hipóteses de cancelamento, que são aplicadas tanto para as chamadas reservas individuais, como para grupos e também para os eventos que são realizados comumente nos hotéis. Além é claro da regra da sazonalidade, elemento sempre presente na composição de tarifas e pacotes. E cada empreendimento, de acordo com sua visão e política comercial adota uma linha, sendo que em algumas situações já não existe nenhuma cobrança ou retenção de valores por cancelamentos. Todos estes ingredientes deveriam ser analisados em conjunto com qualquer proposta de fixação de regra única para as situações de cancelamento.

A percepção é que os Legisladores muitas vezes desconhecem todos os elos que compõem, no caso específico, a cadeia produtiva da indústria hoteleira. É sabido que assim como os assentos de uma aeronave, a hospedagem tem caráter perecível, ou seja, o apartamento não vendido, e vazio, configura-se como prejuízo enquanto estiver vazio! Além é claro dos detalhes operacionais. Destaque também para os meios de pagamento, como ficariam os pagamentos via cartão de crédito? Estornos no cartão têm um prazo longo, e não se enquadrariam nas 48 horas previstas no Projeto de Lei, além é claro da discussão sobre as taxas de administração cobradas. 

O setor reveste-se de dinamismo e já está regulado pelas práticas do mercado, não podendo perseverar imposições desta natureza. Como citado acima, além da insegurança geral, prejuízos podem ser gerados, desde a dificuldade em comercializar os apartamentos vazios em curto espaço de tempo, e pensando no hóspede consumidor, os hotéis, para compensar a perda, teriam que inclusive aumentar o valor das diárias, para buscar o ponto de equilíbrio e receita esperada, diante de um novo cenário com a imposição pretendida.

O Projeto está em tramitação e através de consulta no site do Governo, observamos que em 15/07/2014 houve a apresentação do parecer do Deputado Relator, entendendo pela procedência do mesmo, argumentando que "Com efeito, o prazo estabelecido permite ao Hotel, por um lado, oferecer a unidade habitacional a novo cliente e, de outro lado, não o impede de proceder a uma retenção de valor quando o cancelamento ocorrer no decurso das 72 horas que antecedem o horário previsto para a entrada no estabelecimento. Não há, portanto, imposição de desequilíbrio para as partes. No nosso entendimento a norma legal proposta aperfeiçoa as relações de consumo…” E termina indicando parecer positivo pela aprovação do Projeto.

Diante de tantas dúvidas e inaplicabilidade ao mercado, cabe as autoridades competentes e associações de categorias hoteleiras fazerem-se presentes junto aos órgãos do governo para tentar influir de alguma maneira neste Projeto, tentando demonstrar aos legisladores todo impacto que uma medida como esta poderá causar. 

*Profissional com 23 anos de sólida formação jurídica, integrante de BUENONETO ADVOCACIA, tendo atuado nos últimos 13 anos em diversos players do mercado, de TMC’s globais à Hotelaria, o que permitiu uma visão geral da área e a compreensão das necessidades de cada setor! É Conselheiro da Alagev para a Gestão 2012/2014 , e professor da Academia de Viagens Corporativas, ministrando aulas de matérias jurídicas aplicadas nos cursos de gestão.

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